Atitudes truculentas, desumanas e imorais de agentes da Polícia Militar ha muito têm causado revolta e perplexidade por parte da sociedade brasileira, principalmente de grupos historicamente marginalizados que são mais vulneráveis a ações de extermínio simbólico ou físico por parte dos agentes da lei e representantes do Estado, vimos recentemente o caso do extermínio contra o cidadão Amarildo, mais um de muitas pessoas negras habitantes das periferias que são diariamente assediada e exterminada pela polícia, o que explicita a já conhecida fase fascista dos responsáveis por nossas seguranças. Casos como estes mostram a ineficiência e a não adequação desta instituição “enferrujada” em uma sociedade democrática de direitos, se torna cada vez mais explícita.
Outros casos de violência policial também podem ser pensados. Além das conhecidas práticas de racismo institucional e outros tipo de truculências partidas da polícia e do Estado, vimos recentemente outra forma de expressão de violência, desta vez contra a mulher. A estudante Anne Karolyne de Melo foi presa por desacato à autoridade depois de revidar a insultos sexistas partidas por um agente de segurança pública do Batalhão de Choque durante uma manifestação no centro do Rio de Janeiro. O policial se dirigiu a estudante chamando-a de Gostosa em uma atitude grosseira e ofensiva.
O policial além de ofender, praticou verbalmente, violência sexual contra uma mulher que exercia seu direito de cidadã de estar nas ruas manifestando ou fazendo qualquer outra coisa que seja, é, porque nós mulheres temos o direito de estar em vias públicas de forma livre e espontânea sem sermos agredidas, fisicamente, sexualmente, moralmente ou de qualquer outro modo. Este fato reflete tanto a fragilidade do modelo de segurança pública adotado pelo país, quanto a uma cultura perversa que fundamenta atitudes desumanizadoras em relação as mulheres.
Vimos um agente de nossa segurança, a quem nos ensinam a pedir socorro e auxílio em casos de abuso, desrespeito a qualquer de nossos direitos até mesmo em casos da extrema violência física, psicológica e moral que é o caso do estupro, agir de forma protuberante contrária. Além disso, o agente público praticar e fortalecer tais práticas se tornando ele mesmo, o agente violador dos direitos cívicos, humanos, e principalmente, femininos, exteriorizando o machismo sexíssimo arraigado em sua mente e em sua conduta, além de cometer o famoso crime de abuso de poder tão comum entre “nossas autoridades”.
Falar de direitos e de condição feminina em uma sociedade machista nos remete aos frequentes debates, embates e enfrentamentos que nós, cidadãs somos submetidas no dia a dia incluído o que vem por parte das instituições. Vivemos em uma sociedade em que direitos fundamentais são negados a nós mulheres de forma monstruosa. Comecemos por um direito básico que deveria ser simples e óbvio que é o direito de “ir e vir”, de forma segura, sem sermos violadas de nenhuma forma ao exercê-lo.
É inaceitável viver em uma sociedade em que a “não- violência” seja uma raridade e não uma regra quando se trata da condição feminina.
A sociedade ao mesmo tempo em que identifica o estupro como um crime cruel e hediondo, moralmente sem perdão, em contrapartida, naturaliza a cultura do mesmo, é só nos depararmos com as propagandas de cervejas famosas por qualificarem mulheres representando-as como objetos de consumo associados ao prazer masculino e que, mesmo assim são aplaudidas pelo público comum, ou os programas de TV, de Comédia e outras campanhas publicitárias que, além de fortalecerem outros estereótipos, sempre representam mulheres também na mesma perspectiva, e do mesmo modo costumam ser sucesso de público.
Ou seja, vivemos em um meio em que as pessoas se mostram perplexas em relação ao indivíduo legalmente criminalizado como estuprador, se fortalece estereótipos e práticas que levam e fortalecem tal delito.
Nos deparamos com a realidade de que a cultura do estupro é “legal” e naturalizada. Podemos ver e vivenciar isto em nossos cotidianos, a cada vez que saímos de casa, seja pro trabalho, pra faculdade, para o super mercado, para nos divertirmos… Vimos que, nem no ato exercer nossos direitos cívicos estando em espaços públicos na condição de manifestantes que lutam por estes ou outros direitos, somos poupadas.
A violência sexual não é apenas aquela que agride nossos corpos de forma física, como é o ato tradicional do estupro. Somos violentadas no todo momento em que nossa sexualidade é evidenciada de forma a violar e agredir nosso íntimo representado por nossos corpos. Somos estupradas todos os dias de várias maneiras, seja por olhares libidinosos que supervisionam nosso sexo e nossas formas corporais em vias públicas, com assovios sexistas, com propostas ou comentários erotizados e grosseiros, que lesam, desqualificam, objetifica, constrangem, e, assim como Annie, nos fazem sentir enojadas perante tais atos que submetem nossa sexualidade e nossa condição de ser mulher.
Infelizmente podemos concluir que tais cenas e situações humilhantes são insistentemente encaradas como algo natural, dando aos homens todo o consenso para praticá-las, uma vez que, seriam eles “ os caçadores naturais” que vão a busca de suas “presas”, afim de exercerem seu papel de supremacia na “lei da selva machista e sexista”, discursos usados para fundamentar e justificar o estupro do corpo e do direito de ser mulher e exercer nossas liberdades como tal .
É dessa forma que homens praticam abusos e desrespeito a integridade feminina, e o que é pior, se sentem no direito de fazê-lo, afinal, são homens, estão apenas exercendo os direitos dados devido a suas condições de ser homem, não é mesmo? Não é incomum nos depararmos com justificativas deste tipo quando indagados sobre suas condutas ao praticar algum ato de assédio contra alguma mulher, seja verbalizando, com olhares, ou nas formas correlatas de agressões que inclui o próprio atentado violento ao pudor. O fato de “ser homem”, geralmente é um dos primeiros argumentos para tentarem se redimir de um determinado olhar hipersexualizante ou uma investida grosseira e agressivamente sexualizada contra mulheres. O que se propõe dizer é que, Não têm o porquê ser punido ou censurado, afinal de contas, se todo homem o faz por que eu deixaria de fazer? É coisa de homem, temos que entender!
Juntamente á sustentação de argumentos que justifica o abuso do poder hegemônico de homens sobre mulheres, está o discurso que culpabiliza estas diante da violência da qual que as mesmas são submetidas. É comum nestas situações, escutarmos que somos nós as causadoras de tais situações de assédio por nos vestirmos com este ou aquele modelo de indumentária, por nos comportarmos deste ou daquele modo ou por estarmos neste ou naquele lugar… Elas se vestiram assim porque tinham a intenção de despertar algo… , Mulher andando sozinha na rua as essas horas estão procurando alguma coisa (…)
Deste modo, a mulher é enquadrada na condição de ré em situações estas em que são vítimizadas pelo o sexíssimo e misoginia na sociedade, foi o que aconteceu com a manifestante Anne ao reagir a investida abusiva nutrida das facetas mais perversas dos casos de abuso de poder por parte do policial, uma atitude típica de uma sociedade que ainda carrega vestígios de um regime totalitário além de endossar práticas que estimulam as diversas formas de violências contra a mulher.
Isso nos leva a pensar no abuso de poder para além do limites institucionais exprimidos na atitude do policial militar, mas devemos pensar também nos abuso de poder presente em nossos cotidianos que também estivera impregnada na atitude do agente. Uma violência ainda mais perigosa por estar ungida pela mascara da isenção hasteada por uma cultura de naturalização e consentimento da violência, do assédio moral, sexual, a Cultura do Estupro que nos pune como mulheres, nos ameaça, elimina nossa liberdade, seja para exercer direitos cívicos, seja para exercer direitos básicos que é o caso do “ir e vir”.