Aviso: Este texto contém spoilers
.
.
.
.
.
Alice Walker, escritora norte-americana que faz aniversário neste mês, é uma escritora negra de grande relevância no cenário mundial, especialmente no que diz respeito à representação da mulher negra na literatura. A escritora buscou retratar em sua obra a realidade de mulheres negras em contextos de opressão, denunciando o machismo e o racismo presentes na sociedade americana. Sua relevância vai muito além da questão estética, além de escritora de poemas e romances, ela é uma feminista e não só influenciou como tem influenciado muitas mulheres negras, abordando questões com as quais nós, mulheres negras, lidamos cotidianamente.
A história de Celie, personagem principal, é ambientada na Geórgia e mostra os abusos aos quais ela é submetida tanto por seu pai quanto pela sociedade machista e racista. Celie é uma mulher negra em busca da felicidade, mas ao longo de seu caminho se depara sempre com pessoas que tentam provar-lhe o tempo todo que ela não possui valor, sendo apenas um fardo na sociedade.
Alice Walker dá voz a Celie por meio das cartas que ela escreve para se comunicar com Deus, relatando seus sofrimentos diários, e com sua irmã, da qual teve que se separar quando foi obrigada a se casar com um homem que precisava desesperadamente de uma mulher para cuidar de seus filhos e de sua casa após a morte de sua esposa.
Celie, ainda adolescente, tem dois filhos de seu pai, que se encarrega de entrega-los para adoção. Seu sofrimento continua após seu casamento, pois seu marido lhe bate e desrespeita frequentemente. Ela não pode nem chama-lo pelo primeiro nome, mas apenas de senhor, o que mostra a visão machista impregnada na sociedade, pois a mulher era considerada propriedade de seu marido.
A história de Celie é marcada por machismo e racismo, mas ao longo do tempo ela encontra forças para se defender e lutar contra aquele sistema opressor. Uma das personagens que contribui para seu empoderamento é Sofia, casada com seu enteado. Sofia não aceita ser dominada pelo marido e, quando este a agride, ela o agride de volta. Ela sai de casa com seus filhos e abandona o marido por não aceitar se sujeitar a ele. Mais tarde, quando a esposa do prefeito lhe oferece um trabalho de empregada, ela rejeita e é esbofeteada, mas ela o esbofeteia de volta e é condenada a 12 anos de prisão por agressão.
Ao observar como Sofia lidou com aqueles que tentaram lhe dominar, Celie começa a perceber que ela também podia reagir à opressão, sua companheira cotidiana de longa data, e que não era obrigada a se deixar dominar, assim como Sofia, que sempre reagiu quando tentaram lhe impor o cabresto, lhe “colocar na linha”. Então as pequenas mudanças que ela faz durante seu processo de empoderamento como mulher negra culminaram no fortalecimento de sua autoestima e, por fim, na sua saída de casa, abandonando o marido, que mais tarde se arrependeu da forma como tratou a esposa e tentou reatar com ela.
Infelizmente a história do livro se repete em muitas realidades pelo mundo afora, mulheres negras são submetidas a desrespeito tanto fora como dentro de seus lares. A naturalização do machismo e do racismo ainda são um mal com o qual temos que lutar cotidianamente. Felizmente tivemos muitos avanços e estamos lutando constantemente contra o racismo e machismo impregnados na mentalidade da sociedade.
Muitas de nós fomos criadas em ambientes hostis e ensinadas a nos comportar “adequadamente” para agradar a todos sempre, mas isso teve um alto custo: o nosso silenciamento. Agora conquistamos nosso espaço e temos direito a nossa voz e ninguém pode nos silenciar. Estamos nos empoderando e contribuindo para o empoderamento de outras mulheres negras a partir de nosso exemplo de resistência diária e com um discurso que diz não ao racismo e ao machismo, não ao genocídio da população negra, não à baixa representatividade do negro em universidades.
Assim como Sofia e Celie reagiram à opressão, nós também estamos nos levantando e fazendo nossa voz ecoar. Muitas de nós talvez tenhamos acreditado um dia que seria praticamente impossível combater o machismo e o racismo, mas agora nossa voz está ecoando e estamos exigindo representação, direito ao discurso, estamos atentas a todas as práticas de discriminação e exigindo penalidade para os opressores machistas e racistas.
Agora racismo é considerado crime. Agora nossa representatividade na universidade está aumentando cada vez mais. Agora estamos alcançando altos postos de trabalho antes exercidos apenas por brancos. Agora estamos fortalecendo nossa negritude e nos empoderando enquanto mulheres negras. Agora a mídia não pode nos silenciar. Agora denunciamos casos de preconceito e temos direito a respostas. E essas são apenas algumas conquistas de muitas que ainda estão por vir.
Imagem destacada: Reprodução web