Anitta, embranquecimento e elitização

Por Jarid Arraes para as Blogueiras Negras

Seja pelo preconceito de classe ou pela intolerância diante de letras com conteúdo sexual explícito, as mulheres do funk são grandes vítimas da misoginia e do racismo. Esse grande repúdio contra as artistas femininas do funk é intimamente relacionado à repulsa às mulheres negras, não somente porque a maioria das funkeiras são negras, mas porque o funk tem raizes históricas e é intimamente ligado à cultura negra brasileira.

No entanto, há pelo menos um exemplo atual de mulher que veio do funk e é amplamente aceita e celebrada na mídia: a Anitta. Enquanto as outras artistas têm suas raízes no funk tradicional com letras explícitas, a Anitta é apresentada como uma funkeira voltada para a cultura pop, com uma produção higienizada e pronta para o consumo. Artistas como a Anitta são reposicionadas em uma nova classe social, que embranquece suas expressões artísticas e as torna muito mais “adequadas” para a televisão brasileira.

antesdepois

Há divergências sobre os motivos que levam a Anitta a ter mais sucesso que outras artistas similares. Alguns ativistas acreditam ser devido a uma suposta branquitude. No entanto, enxergar Anitta como uma pessoa branca demonstra a naturalização do processo de embranquecimento racial. Em uma sociedade que tem como branca qualquer pessoa miscigenada de pele clara, o caso de Anitta merece no mínimo uma reflexão.

É preciso entender que a identidade que Anitta ou outras artistas possuem sobre suas cores é algo subjetivo, construído ao longo dos anos sob influência da sociedade. Não adianta relativizar o reconhecimento racial e reduzi-lo a uma questão de afirmação, pois compreender-se como negra não é um fator decisivo para que alguém seja tratada como negra; para isso acontecer, é necessário que a sociedade também consiga ver a negritude nessa pessoa.

A Anitta é um exemplo de uma mulher miscigenada que foi embraquecida e “enriquecida” para que o seu trabalho artístico fosse valorizado. A aparência de Anitta vem se tornando cada vez mais diferente desde a sua fama, com tratamentos de clareamento sobre uma imagem cada vez mais elitizada. Sabendo disso, vale a reflexão: será que Anitta é aceita por ser reconhecida como uma mulher branca ou terá embranquecido em busca de aceitação? Se outras funkeiras passassem por um processo de embraquecimento e elitização classial, seriam elas abraçadas pelos programas da televisão aberta nos mais diversos horários?

Esse processo não diz respeito somente ao embranquecimento de características físicas, como cabelos lisos, pele clara e nariz fino, mas está também relacionado à repressão da sexualidade feminina. O funk bem aceito socialmente é aquele que constrói uma sensualidade feminina tolerável, que não intimida o machismo. E a sexualidade feminina que é aceita é aquela que não causa choques. A Valesca Popozuda é um bom exemplo: embora em sua aparência atual ela seja vista como uma mulher “morena clara”, ou em alguns casos até mesmo branca, o modo como lida com o sexo sem eufemismos faz com que sua expressão artística seja repudiada socialmente.

Artistas femininas sofrem uma imposição de limite sobre a sensualidade, que só pode ser expressada de modo comedido e elitizado: uma mulher que rebola na MTV é muito mais aceita artisticamente do que aquela que rebola em um baile funk no morro. É extremamente importante notar, no entanto, que nenhuma mulher é plenamente aceita ao expressar sua sexualidade. Ao final do dia, todas essas mulheres têm algo em comum: todas elas são transformadas em objetos de consumo.

Ser consumida, nesse caso, significa oferecer a sensação de controle ao público masculino. A mulher objeto de consumo deve expressar sensualidade, mas não ao ponto de fazer com o que o homem se sinta ameaçado, nem na eminência de ser “traído”. Caso a mulher expresse sua sexualidade de forma objetiva e direta, ela é tida como uma “vadia” indigna de valor e seriedade. A mulher negra, especificamente, carrega nos ombros o estereótipo de “mulher consumível” e descartável, para ser “usada” e jogada fora, ao contrário do produto mais cotado e duradouro: a mulher branca. Essa é a realidade da misoginia: as mulheres são tratadas como mercadorias, algumas mais valorizadas do que outras.

Embora a questão da branquitude de Anitta seja debatível perante nossos olhos, o problema é muito mais profundo e está entranhado em diversas nuances da sociedade. A questão não é atribuir uma identidade a Anitta ou outras artistas brasileiras, mas sim levantar o questionamento sobre a possibilidade de sucesso e a aceitação social dependerem de uma branquitude, seja ela real ou imposta. Uma pele clara e um cabelo liso combinados com uma sexualidade moderada e restrita são necessárias para o sucesso das mulheres.

Seja ao chamar mulheres negras de morenas ou ao aceitar o “branco” como padrão, o racismo articula com a violência imposta sobre as classes desfavorecidas e encontra seu apogeu quando atua de forma machista. É preciso trazer todas essas nuances para o debate e trabalhar para destruir essas violências. A forma como as opressões atuam não é sempre tão óbvia, tampouco tão simplista. São necessárias uma dialética e uma visão abrangente, não polarizada, para que possamos transformar nossa cultura e conquistar a dignidade que é usurpada de tantas mulheres.

44 comments
  1. Acho que muitas funkeiras, como maior ou menor grau de recursos financeiros e/ou aceitação da mídia passam por um processo de “americanização”, colocando silicone, tingindo os cabelos de loiro e os alisando, usando apliques e lentes de contato coloridas, vide Valesca Popozuda e Tati Quebra-Barraco. Apresar de não poderem estar na mídia convencional o tempo todo por causa do conteúdo de suas músicas, passaram claramente por esse processo. Valesca, por exemplo, hoje é loira de cabelos lisos, olhos azuis e seios fartos, quando anteriormente era completamente diferente. Não é exclusividade da Anitta, e não acho que seja esse o fator de sua aceitação. Na minha opinião isso se deve mais ao fato das músicas dela serem bem menos explícitas e de ela ter uma voz mais melodiosa em relação às demais cantoras de Funk. Enfim, a música da Anitta dá para vender para além das classes populares e do circuito do Funk, enquanto que a maioria das outras não, mas o processo de “branqueamento” é algo que se verifica em mulheres desse meio em geral.

  2. Posso estar errada, mas vou dizer minha opinião. Vejo milhares de discussões sobre a Anitta e sinceramente, desde o começo, a vejo apenas como uma produção da mídia para vender o “funk” para a classe média (nem acho que o que ela canta seja funk, mas enfim, não cabe entrar no mérito da questão aqui) – e daí que talvez a tenham mesmo “embranquecido” e as letras não sejam muito pornográficas como o funk de verdade porque a classe média ainda é “conservadora” e racista. Acho que é isso. Uma cantora feita sob medida pra atender a classe média. Não consigo vê-la como libertária, apenas como um produto musical.

  3. não concordo com o exemplo do funk… uma opinião minha, mas eu acredito que eu como mulher e feminista não acredito que o funk é um exemplo de manifestação musical das mulheres, ! esse estilo musical não me representa em nada !! acho ele extremamente pejorativo e que ao meus olhos exercem o efeito contrario que vcs dizem, ele degrada a mulher mostrando apenas aquilo q foi imposto por tantos seculos a mulher, que ela não passa de um corpo, uma carne, se so serve para se reproduzir e satisfazer desejos sexuais do homem !! e isso que enxergo no funk, e independentemente se ela for negra , branca japonesa nao importa !! é um estilo musical que não tem nada a acresentar intelectualmente a ninguem !! nao usa um sequer instrumento musical , nao tem uma sequer letra com conteudo, eu nao vejo o funk de nenhuma perspectiva como algo a valorizar a mulher, so fala de peitos e bundas, como devemos mecher eles , uma ensenaçao barata de nossos corpos para homens ficarem olhando e se exitarem !! acredito q oq a cantora anita esta fazendo é apenas um jogo de marketing , porque de funk a musica dela nao tem nada, é apenas um popzinho que se intitula funk para agradar tanto a camada elitizada tanto as mais pobres com o termo funk, nao que nao existam ricos que gostem de funk, mas ele seria mais adequado para a tv ! no caso da globo que ja introduziu esse estilo no programa esquenta, mas presisa de uma principal ! e logico escolhe a mais “branquinha” bonita, elitizada e com letras bemmm mais leves para acostumar o publico aos pouco a um genero da musica que de pouco em pouco so vai transformar o brasil em um pais futil,superficial voltado apenas a aperencias, e conteudo que é bom nada !! essa é minha visao num geral ! que mulheres tem peito e bunda sempre soberam que temos ! para mim o carater de valorizaçao da mulher agora se da para provarmos nossas capacidades, intelectuais, artisticas e tudo mais, e nao nossos dotes fisicos !!

    1. Concordo plenamente com seu comentário Sophia, principalmente em “ele degrada a mulher mostrando apenas aquilo q foi imposto por tantos seculos a mulher, que ela não passa de um corpo, uma carne, se so serve para se reproduzir e satisfazer desejos sexuais do homem”. E mais uma vez, pergunto, será que a mulher que escolhe vestir-se e dança-lo daquele jeito realmente decidiu pensando por si mesma? Ou apenas acreditou no que ‘aprendemos’ culturalmente: que a mulher é apenas um objeto para satisfazer ao homem e que, portanto, para ser “valorizada”, precisa mostrar o quanto é atraente e o quanto seria “boa de cama”? Pra mim isso não é liberdade.
      Na verdade, vemos que o funk tem outras vertentes e tipos (de todos que ouvi até agora, poucos sabem cantar de verdade!), mas parece que a que mais recebe atenção é o funk sexualmente explícito, com dança de mesmo tipo. Triste. E não dá pra querer que isso invada nossas telas de TV, que já são ruins.
      Eu, mulher negra, devo querer ser aceita, mas dançando funk como a Sra. Valeska, acho que fica mais difícil ser valorizada da melhor forma. Eu não corro atrás de ninguém, nem fico tentando chamar a atenção de ninguém; mas aí isso já é um pensamento meu. E não é questão de ser “controlável”, me poupem; é questão de EU ME controlar.

  4. O fato é que a Anitta invadiu os programas de todas as emissoras. Concordo que a linha de funk da cantora é mais leve, sem palavrões e referencia explicita ao sexo. O chamado funk melody, o mesmo de Naldo, Latino, MC leozinho e etc. Pra mim é o Funk comercial, o que vende na mídia, e propositalmente feito para isso. Se vai durar, ninguém sabe, até lembro de uma cantora chamada Perlla que estourou com uma música, a muito tempo atrás, e hoje nem é citada…
    Dando minha singela opinião ao que foi dito por vocês até agora, acho que Anitta é montada para a tevê, moldada para conquistar o seu espaço e conseguir aparições na mídia sim! ‘Embranquecida’ em todos os sentidos.(Alias, adorei o texto.)
    Ela faz estardalhaço, sensualiza, e referencia o sexo tanto implícito quanto explicitamente nos shows..rsrs Assim como as artistas americanas.
    Veja esse vídeo, que também é um dos mais acessados da cantora: http://www.youtube.com/watch?v=JdsO7T8mT78

    Não a julgo, até acho que os ouvintes de funk quase que exigem tal sensualidade, e ela não deixa de ter valor ou competência no que faz por conta disso.
    A imagem da mulher, sua dignidade e caráter, não deve ser julgada só porque ela está dançando, se divertindo, ou no caso, trabalhando. Isso é machismo, alimentado por homens e mulheres. Para combater esse raciocínio de ”mulher que se exibe é vagabunda”, que ainda está muito presente, vejo que a primeira coisa que tem que mudar é o pensamento das mulheres.
    Quanto ao show da Anitta, não sei se ela faz ainda ou não a coreografia, não sei. Só sei que há público para isso, como foi dito, sendo bom ou ruim, é cultural e pronto.

    1. Meu novo argumento é o seguinte: Qual a diferença de uma atriz/ator da globo ou de Hollywood que faz cena de nudez, até trasando, e de uma menina que dança no palco como o bonde das maravilhas? E as mulheres do É o tchan eram chamadas de vadias? O Bonde das Maravilhas não tem conteúdo explicito em suas musicas, não as que canta na Tv e já foi em alguns programas, inclusive a tarde. Só não conseguiram o destaque que a mídia deu a anita.
      Eu adoro Beyoncé, ela usa Boddy e faz bastante alusão sexual em suas danças. Inclusive ela faz uma coisa com a boca que é uma imitação de sexo oral.
      Acho que ela é aceita porque é dos EUA. Aposto que se estes artistas como Beyoncé, Michael Jackson tivesses nascido no Brasil não teria chegado nem de longe aonde chegaram.

  5. Comecei a me informar sobre feminismo recentemente e tenho que dizer que não tem sido uma experiência fácil dar nome às coisas que me incomodavam mas que não sabia exatamente o que eram, e perceber também tantas outras coisas que vemos no dia-a-dia e relacionados como normal, apesar de não serem. Agora, sobre a mulher negra, eu gostaria de, por favor, pedir a ajuda do blog e das usuárias também para que eu possa entender melhor a situação, porque acho que sendo branca, só enxergo a superfície mais rasa da situação, se puderem contar suas vivências ou me indicarem links de artigos… agradeço!

  6. Ok, pra ser bem sincera, eu discordo em alguns pontos, mas não sei se tenho argumentos tão bons quanto os seus pra sustentar minha posição. Acho que o momento mais brilhante foi quando tratou do estereótipo de vadia. Eu me identifiquei tanto com esse trecho que creio ter enchido essa caixa de diálogo só por causa dele. Enfim, foi uma ótima leitura. Meus parabéns!

  7. A Anita aceitar essa transformação revela a falta de compromisso dessa nova geração de artistas com problemas sociais. Fabricam músicas machistas, que desvalorizam a mulher e supervalorizam o “ter” em detrimento do “ser”. A grande culpada? A mídia – que faz até pior: financia o racismo projeta a beleza nos moldes do padrão europeu. Porque é tão difícil ver o Rappin Hood na TV? Ele é um artista engajado, comprometido com causas sociais e usa seu Rap para fazer denuncias, até porque o Rap é um ritmo que surgiu justamente com essa finalidade. Na Jamaica na década de 1960 durante as festas de gueto, o povo aproveitava a trilha sonora para fazer discursos políticos sobre violência e problemas sociais.
    Bom, no meu ponto de vista o fato do Rappin Hood não estar na mídia são dois: primeiro por ele ser negro e segundo porque as suas músicas fazem o “povo” pensar e isso não é bom para a mídia de massa.
    Então o povo continua ouvindo funk que é usado para banalizar o sexo e o Pop (“ruim” – diga-se de passagem) da Anita que se transforma para ser aceita na mídia ao invés de incluir na resistência do seu povo negro e lindo!

  8. Jarid,

    maravilhoso o texto! Tocou todos os aspectos: a tabuização do sexo, da sexualidade feminina e embranquecimento na construção do fetiche racista. Triste ver que pra muitas pessoas falar sobre racismo também continua sendo tabu. Não deveria me surpreeender num país como o Brasil, onde rege a “esquizofrenia racial”, mas… Quanto a opnião de que o funk nada tem a ver com sensualidade, de alguns comentaristas, não é verdade. Bons exemplos são Prince, que aliás tem vários albuns proibidos pra menores, Parliament, Isaac Hayes. Uma figura do Parliament aliás se chamava “Long Haired Sucker”. O trabalho dos músicos negros sempre foi marginalizado, inclusive o trabalho de músicos hoje famosos e aceitos em todos os lugares como James Brown e outros. Quem diz que JB e os cantores de RAP( e eu não estou falando 50 Cent), não tiveram problemas por causa da cor, ignora em que país e contesto eles começaram, eles corriam risco de morte diariamente. A música deles só era tocada em rádios de e para negros, as poucas aparições na tv branca eram extremamente controladas. Era entrar no palco e sair dali direto para casa, sem por favor tocar em nada. Eu vejo o embranquecimento e a tabuização do funk como uma vertente da mesma discriminação.

  9. Jarid, adorei seu texto. Acho que realmente dá pano pra muitas discussões ricas. Aproveitando, eu só queria te perguntar uma coisa [que talvez me ajude também a moldar minha visão]: acho que algumas pessoas questionaram o “valor” agregado às letras do funk, como por exemplo de Valesca Popozuda. Você acha que as letras desses funks não reforçam a objetificação da mulher negra [da mulher em geral, eu diria]?

  10. Cultura também é expressão de lazer, descontração, sexualidade e relacionamentos humanos. Cultura não é só o que é “intelectualmente aproveitável” (de acordo com o julgamento de cada um). Além disso, sua colocação sobre “abanar o rabinho” tem um tom muito misógino.

  11. Pra exemplificar o dito no texto, comparem os comentários nesses dois videos, um do Bonde das Maravilhas (negras) e o outro da Mc Mayara (brancas). Os dois clipes foram lançados essa semana.
    http://youtu.be/R-o3yaU1f-w
    http://youtu.be/7Jf7QoW5j8w

    No clipe do BDM as pessoas se juntaram em algum grupinho de facebook pra escrachar as meninas nos comentários, isso está rolando desde o dia da postagem do video. Já vi comentário chamando de putas, vadias, macacas e cadelas.

    No clipe da Mc Mayara tem no máximo chamando a menina de feia.

    1. acho melhor rever os comentários. Mas de todo modo o das gurias que só dançam e narram a dança eh bem mais explícito

  12. Acho que o ponto é mais a forma como Anita canta seu Funk. James Brown é funkeiro clássico e fez sucesso sendo negro em tempos onde o assunto racismo mal podia ser discutido. Também vejo Gilberto Gil, Sandra de Sá, Alcione (a marrom), Marcelo D2, Criolo e tantos outros fazendo sucesso pelo conteúdo, não pela cor da pele.

    1. Nenhum deles está livre do racismo, todos eles passaram por muitos questões complicadas e violentas até que o reconhecimento fosse conquistado e, além disso, os homens citados jamais poderiam experimentar a violência misógina da sociedade se cantassem letras de conteúdo sexual explícito, a menos que fosse um conteúdo gay. Afinal, as coisas não são tão polarizadas e nem tão simplistas.

  13. Eu concordo com boa parte do artigo, mas a parte sobre a “sexualidade moderada”… Devo discordar. Evito ser hipócrita, então a minha opinião sobre qualquer música sexualmente explícita é a mesma, tanto para a do homem (comum), como para a da mulher (marginalizada, coisificada e/ou polêmica). Acredito que é algo que deve ser ouvido só por quem quer, quem busca. Não, não deveria ser algo para ter tocado como a trilha sonora do Brasil (como muita coisa, muita coisa mesmo), pois o correto seria enriquecer e educar o público, mas como disse, evito ser hipócrita, então… Sim, é algo um tanto utópico.

    Como, por exemplo, naqueles programas de auditório, em horários “familiares”, está ficando cada vez mais comum trazerem cantores e escolherem as músicas mais inconvenientes/pobres para serem tocadas. Não tenho absolutamente nada contra a música ou o cantor em si, até porque, ninguém vive só de crítica social, ou só de romance. O sexo está presente em nossas vidas, portanto deve estar presente na nossa música. Mas… Até que ponto? As músicas sexualmente explícitas, geralmente cantadas e/ou criadas por homens, estão ficando cada vez divulgadas, exaltadas. As crianças estão tendo um contato muito prematuro com o sexo, e em contrapartida, não há ninguém para esclarecer as suas dúvidas. É o falso moralismo; A criança pode ouvir o que ela quiser, mas ninguém pode comentar nada sobre. É um enorme tabu, sendo aceito bem às avessas.

    Em relação ao fato da Anitta ser “aceita” (porque cá entre nós, ao mesmo tempo que muitos a “aceitam”, há um enorme público que a nega e a marginaliza da mesma forma que outras cantoras de funk), eu concordo que foi sim, pelo fato dela ter sido “embranquecida” esteticamente (porém não somente este), mas será que é tão ruim esse aspecto de “sexualidade moderada”? Porque eu realmente acredito que ninguém precisa se afirmar como o comedor ou a comedora para ser alguém. Sim, há quem o faça, então se o homem faz, a mulher que faz deve ser aceita ou criticada do mesmo modo. Não é o que acontece, infelizmente, mas acredito que a Anitta se encontra em outra categoria.

    Eu acho que houve uma certa generalização, aqui. “Se ela canta funk, obrigatoriamente tem de ser sexualmente explícito, então se não foi, é porque obrigaram ela de alguma forma”. Não sei até que ponto a Anitta se afirma como uma mulher autônoma, mas ela demonstra estar ficando cada vez mais independente e mostrando ao mundo que não precisa fazer estardalhaço no vídeo pra chamar a atenção, como muitas divas americanas fazem. Reparem que, no vídeo mais famoso dela, acredito ser o “Show das Poderosas”, não há nenhum homem a dominando, como acontece em quase todos os outros vídeos americanos, seja de mulheres ou homens. Não há apelo sexual algum. Aliás, há até uma inclusão social/racial, pois há dançarinos fazendo a mesma coreografia “feminina” e muitas mulheres afrodescendentes.

    Acredito que a Anitta, como toda iniciante “cabeça” na carreira musical, está cedendo o que pode para a mídia, montando o seu terreno, conquistando o público para justamente ser, finalmente, plenamente autônoma no âmbito musical. Pode não ser isso, pode ser passageiro, talvez ela seja mais uma marionete na mão da mídia machista e racista, mas isso só o tempo dirá. Funcionou com a Lady Gaga, pelo menos!

  14. Mas me responda uma coisa, se tem tanto a ver com cor como você me explica o boom do Rap nos EUA e que acabou por ressoar aqui no Brasil? Onde o som de periferia tornou-se presente no dia-a-dia, conseguindo lugar de destaque, inclusive, na cultura POP?

    Com relação à representação da mulher como objeto, concordo em certo ponto. Porém acredito que para mudar essa visão é necessário que a própria mulher comece a se dar o valor e não “coloque seu corpo a venda” como é o que ocorre com as letras da Valesca Popozuda. Eu por exemplo repudio o refrão “Quero te dar” da mesma forma que repudiaria o refrão “Quero te comer” pra mim o gênero, neste caso, é idiferente.

    1. Pensei que teria uma linha de argumentação para o ponto de vista mas cheguei no “é necessário que a própria mulher comece a se dar o valor” e tive parar de ler.

    2. Não consigo identificar essa boa visão do RAP na sociedade, tampouco na sociedade BRASILEIRA, pois até hoje a imagem do RAP como produto e causa da criminalidade é a imagem hegemônica criada e reproduzida por nossa cultura. Muitos outros ritmos e expressões culturais de origem negra já foram e ainda são repudiados ou considerados intelectualmente inferiores, isso não se limite ao funk, mas pela dose explícita de sexo que o funk tem, esse repúdio social é muito extremo.

      Toda mulher possui o valor que um ser humano tem, independe do sexo desse ser humano. Sua afirmação revela um machismo naturalizado e violento, que considera mulheres “sem valor” por padrão e que por isso precisam se enquadrar em padrões morais repressores para que algum valor lhes seja atribuído. É também contra isso que eu e as outras mulheres do Blogueiras Negras escrevem e falam.

  15. Não acredito que esta aceitação tenha relação com a cor de sua pele, acho até intolerante colocar neste pé. Algumas mulheres do funk não são abraçadas pela TV pois o conteúdo de seu trabalho simplesmente não é liberado a todos os tipos de público, logo, não pode ser apresentado às tardes de domingo. Afinal, quem gostaria de ter seus filhos assistindo a mulheres esfregando a bunda em sua cara, ou ouvindo letras como as de Valesca Popozuda, que descreve o próprio ato sexual em suas músicas, com termos chulos. A sexualidade exagerada das mulheres do funk é que as transforma em objetos, assim como muitas mulheres da TV. Eu nunca vi um homem esfregando suas partes íntimas nas telinhas como eu vejo as mulheres fazendo hoje. Isso é agressivo, desconfortável e desnecessário.

    Durante muito tempo a mulher serviu apenas para o relacionamento com o homem. O homem saía de casa, trabalhava, se divertia na rua, vivia uma vida, enquanto a mulher devia ser apenas esposa. Hoje em dia a mulher também tem a liberdade de viver uma vida, mas algumas tentam lutar contra o machismo ainda se limitando a serem apenas mulheres para os relacionamentos, mas sem a obrigação de um casamento. Não acho que uma mulher que dedique-se quase que exclusivamente a ficar “gostosa” e sair seduzindo todos os homens, colecionando flertes, seja uma mulher livre, ela continua sem ter uma vida plena e experimentar muitas coisas, porque na sua cabeça ainda é feita apenas para o relaiconamento com o homem. Logo, vejo que a mudança real ainda não aconteceu.

    Não sou contra a sexualidade nem da mulher e nem do homem, acho isso totalmente saudável. Mas não acredito que devamos limitar nossa vinda à este plano apenas a isso, já que ainda há muito o que se descobrir, aprender e evoluir. Não vale a pena dedicar toda a existência apenas ao sexo.

    Isso tudo é uma questão de posicionamento, não de cor da pele. Achar que as funkeiras não são aceitas por causa da cor de sua pele me parece mania de perseguição.

    1. Clube do Batom, acho que é preciso se desfazer das opiniões já formadas para acomapnhar a proposta de reflexão e novas considerações no texto, no entanto tem pelo menos dois pontos do teu comentário que eu acho importante serem respondidos:

      1) As mulheres que estão na televisão – especialmente – transformadas em objetos, passam por isso por causa do machismo da sociedade. Você não vê o mesmo sendo feito com homens exatamente por causa desse machismo, já que homens nem de longe são culturalmente construídos como usáveis e unicamente alvos sexuais. No entanto, ser hostil com essas mulheres não é a melhor maneira de pensar esses fatos, tampouco de solucioná-los, pois todas as pessoas reproduzem valores culturais com maior ou menor intensidade, sejam eles bons ou ruins (o que também varia de acordo com a perspectiva de cada pessoa). Um exemplo disso é sua afirmação sobre apontar o racismo que o funk sofre ser “mania de perseguição”: colocar análises de racismo como “mania de perseguição” é algo que deslegitimiza o sofrimento e o esforço de quem sofre racismo e o denuncia.

      2) Quem transforma as mulheres em objetos não é a sexualidade “exagerada” que elas possuem ou parecem possuir, mas o patriarcado. E não importa se a mulher expressa essa sexualidade ou não, aos olhos do machismo ela sempre será um objeto.

      O funk que não é feito para o mercado pop – ou seja, o funk que não é do tipo Anitta – não é aceito por muito mais do que suas letras explícitas – ele também não é aceito por ser som da periferia, por ser cultura negra. A questão é cheia de nuances, por isso recomendo que se esforce para seguir o conselho do final do texto e esqueça as visões polarizadas e simplistas.

      Abraços.

    2. Excelente resposta, Jarid! Muito relevante apontar que até as mulheres precisamos desconstruir opiniões para não perpetuar o machismo e a misoginia.
      A sexualidade da mulher foi construída para satisfazer padrões androcêntricos, e a pior consequência disso é a culpabilização da vítima.
      Não conhecia o seu blog, e já virei fã! Obrigada pelo belo trabalho!

    3. Não consegui ler todo o seu comentário pela sua forma de identificar a vulgaridade. Sobre esfregar as partes intimas na tv, vide chacrinha, xuxa na dec de 1980, Faustao, Gugu e por ai vai. Identifique a forma que a mulher é exposta e depois retorne para esse seu primeiro questionamento, Batom.
      Cordiais saudaçoes.

    4. Realmente, eles esfregam as partes intimas na nossa cara em pleno as 14:00 da tarde com aquelas dançarinas medíocres do faustão. Se é que podemos chamá-las de dançarinas. Estou me referindo a dança tá pessoa. Elas são muito fracas, a maioria só estão ali porque faz parte de um padrão de beleza, porque dançar de verdade que é bom, nada. Assim como a maioria das dançarinas destes programas. Só servem de vitrine.

    5. Discordo, no programa “Esquenta” que passa na tarde de domingo na maior emissora de Tv do país, sempre são apresentadas atrações “da favela” como você mesmo pontuou. O funk está aí na mídia o tempo todo, sempre tem matéria sobre funk na TV pelo menos uma vez ao dia. Eu ainda acho que a maior limitação das outras funkeiras em relação a Anitta é que elas abusam mais da sexualidade e das letras obscenas.

    6. Sempre vai haver vários tipos de veiculação, Christopher. Mas não podemos comparar a enorme veiculação de Anitta em todos os programas com os poquíssimos pontos de audiência dos programas com as funkeiras às quais você se refere. O Brasil inteiro sabe de cor o refrão da música da Anitta. Concordo com a autora e a Ana.

    7. kkkk mano isso é tudo pra inglês ver, no fundo eles tao pouco se fudendo pra funkeiro favelado, essas espécies de programas sao pra dizer que tudo que os mais pobres fazem é cultura kk

    8. Verdade Jorge, pois eu bem vi a cara de nojo do Serginho Groisman(?) ao apresentar o funk ostentação. Vai lá dá uma olhada.

    9. A questão não é o funk estar ou não na mídia, e sim como ele é representado na mídia… vc acha mesmo que o funk que toca no morro, nos bailes das comunidades são os mesmos que tocam na globo? Eu nem vou falar do “Esquenta”, porque esse é um dos programas que mais ajudam a solidificar pensamentos como o seu, de que a cultura negra esta na mídia, e por isso estamos todos em paz, fomos finalmente reconhecidos, e somos todos amigos…. por favor, papinho de democracia racial, não!!

    10. Disse bem, Clube Batom. Sandra de Sá, Alcione, Tim Maia, Gilberto Gil, praticamente TODOS os grupos de pagode dos anos 90, Ed Motta, etc., foram aceitos pela sociedade e pela mídia COMO sem “embranquecer”?

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

You May Also Like