Casa forte, peito fraco – a dor que me doeu

Por Larissa Santiago para as Blogueiras Negras

Ultimamente tenho transitado por um lugar muito lindo, o bairro de Casa Forte. Pelo que me contam da história, aqui era um antigo engenho no século XVI, pertencido a Diogo Gonçalves – terras doadas a ele por Duarte Coelho. Com pouca observação e curiosidade, isso é bem aparente: edifícios por nome senzalas, galerias “casa grande” e ruas com nomes de barões e senhores de engenho.

Não fosse a tranquilidade do lugar e sua beleza colonial (sic) ainda preservada, eu sentiria muita dor ao perambular todo dia no bairro. Os olhares não me são dos melhores, os cumprimentos não me são dados, mas assim como as empregadas domésticas que encontro pela rua, sigo meu caminho sorrindo para os meus parceiros.

Eis que num belo dia de sol, indo para o meu destino de bicicleta, sou interpelada por um carro cheio de trabalhadores da companhia de energia do estado: “Sai do meio da rua, cabelo de fogo!”

Na hora, tomei um susto e nem prestei atenção na expressão e só consegui dizer: “bonito pra cara de vocês”. Depois, me veio uma estranha vontade de chorar, um aperto no peito… E refiz toda a cena na minha cabeça e só assim eu entendi qual era o “meu” problema: no carro, todos eram pretos. Todos homens pretos.

A intenção deles era me xingar porque eu estava na rua, no meio da rua pra eles (que é de todos), já que estava numa bike e deveria me recolher ao canto da pista. Mas porque a ofensa foi racista? E porque me doeu tanto?

Não ouso responder nenhuma das questões. Mas sei que muito do que me doeu está na minha relação com o lugar e com as pessoas dele: como pode “alguéns” com quem eu quero sempre dividir meu sorriso e bom dia me ferir tão bem ferido? Quando vem dos que são seus, dói mais.

Chorei tudo o que havia em mim e depois de me recompor, escrevi. Porque é só contando histórias, conversando com meu irmão mais novo e abraçando minha mãe é que a gente milita e muda a realidade. É somente assim que posso me sentir mais forte e tentar mostrar aos que se parecem comigo que tudo não passa de anos de mentiras e tentativas de implantar ódio entre nós.

Pra mim, nesse dia, a casa forte caiu.

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3 comments
  1. Só queria dizer obrigada a vocês. Acho que, finalmente, aos poucos, estou construindo minha negritude, me redescobrindo, me aceitando. A dor não diminuiu, mas agora estou descobrindo as causas e como trabalhar pra mudar isso.

  2. “Querida irmã, maferefun, nossa cara poetisa. Parabéns por seus dons com a canetada, acendem Luz na Escuridão, acredite, eu também acredito, muitos dos nossos também estão conosco juntos e misturados, nós acreditamos assim como outros também descreem. Foram ensinados a não se gostarem. Certamente as pancadas de dentro para fora são as que mais balançam, ardem, tais provações são lições e balançam mesmo, mas o oposto também é verdadeiro, o oposto de vergonha é o orgulho, e um escudo mais imediato e acessível que temos para ofertar aos nossos é o conhecimento, devemos compartilhar até aonde os nossos pés alcançam, após isso ele mesmo segue o seu rumo instintivamente assim como uma andorinha. Lá atrás, em 1700 e uns quebrados, um escroto chamado Willie Lynch ensinou isso aos comerciantes de seres humanos da época e ainda afirmava que duraria até os nossos tempos, e como vê irmã, ele estava certinho. Agora cabe a nós desconstruirmos as suas construções, transcrevendo ao contrário tudo o que encontrarmos dele, segundo dica do Sun Tzu. “

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