Por Aline Djokic para as Blogueiras Negras
Da minha consciência ancestral:
Ontem,  sentada    frente    ao    espelho
Ia  cuidar    dos    meus    cabelos
Com    o    creme    de    alisamento
Abri  o    pote    e    o    forte    cheiro
Adentrou‐me    as    narinas    tão    violento
Fazendo‐me    fechar    os    olhos
Por    um    momento
Abri‐os    novamente    e    ela    estava    lá
Sentada    ao    pé    da    cama    a    me    mirar
Pés e  mãos acorrentados
A  lágrima    no    rosto    a    brilhar
De onde vem, sussurrei
Do    outro    lado    do    mar
O fedor aqui é tão forte
Já não posso respirar
Ontem,  sentada    frente    ao    espelho
Ia    cuidar    dos    meus    cabelos
Esperava a chapinha esquentar
Estiquei  a    primeira    mecha
Mas,  descuidada    queimei    a    testa
Senti a pele a latejar
Fechei os olhos, contendo a dor e o ódio
E quando os abri, ela já estava lá
Na  bochecha    uma    cicatriz
Quem lhe fez isso? Saber eu quis
Ela  levantou‐se    e    tocou    minha    queimadura
Depois  falou‐me    com    ternura:
Agora    a    qualquer    lugar    onde    eu    for
Saberão    sempre    quem    é    meu    senhor
Ontem    sentada    frente    ao    espelho
Resolvi  amar    os    meus    cabelos
Sussurrei    seu    nome    com   zelo
Esperei    ela se  sentar
Ela  se    achegou    sem    receio
Recostou  minha    cabeça em   seu    seio
Começou    a    pentear
A cada    mecha,    a    cada    trança
Uma    memória,    uma    lembrança
Que    o    medo    não    pode    apagar
Da minha consciência feminista e negra:
Unos cuantos piquetitos
De Frida    nasceu    a    tela
De    mim    nasceu    o    grito
Dos corpos assassinados
Das  mulheres    sem    maridos
Que  por    viverem    como    querem
Colocam    suas    vidas    em    risco
Das    mães  de  tantos filhos
De    tantos    pais    sem    criar
Os    filhos    que    só    ela    ama
E os cria sem reclamar
Um    saiu    branco,    que    espanto
Um    mulato,    escondido    no    quarto
Um   saiu    negro,    que    desespero
Que    um    dia    o    viessem    a    matar

Da minha consciência cotidiana:
Respeito e reverência
Ao  grande    senhor    de    escravos
Minha    pátria    amada
Me  curvo    em    reverência
Meus  joelhos    descem    ao    chão
Minha    cabeça    levanto
E recebo a hóstia da exclusão
Pai, não me    deixe    desfalecer
Apoia‐me,    e    se    necessário
Sustenta‐me    com    as    grades
Fortes das  prisões
Que a carne é fraca, pai
A carne    tem    fome,    pai
A carne    também    tem    nome,    pai
Pai, essa carne sou eu
Da sua e da minha (ainda que imposta) consciência midiática
Na  televisão vi seres    sobrenaturais
Que  se    procriam    sem amor
Sem    sexo,    sem    ancestrais
Esses    seres    sobrenaturais
Eles  aparecem    nas    telas
Por um ângulo    casual
Às  vezes    vassouras    nas    mãos
Ou  trajando    um    avental
Esses  seres    quando    incomodam
Viram    chacota    nas    rodas
Dos seres que são reais
Da minha consciência negra do porvir:
Cotas
Caras  pretas    pedindo    esmola
Caras    pretas    fora    da    escola
É  assim    que    se    vive    a    igualdade
No país da  felicidade
Caras    pretas,    nas    senzalas
Atrás    da    cozinha,    longe    da    sala
Caras    pretas,    prostitutas
Se  se    atrevem    a    sair    às    ruas
Caras  pretas,    mais    um    suspeito
Longe    do    mundo    acadêmico
Caras    pretas se   levantando
Deixando    para    trás o  rebanho
Caras    pretas    aprendendo
Quebrando a sina do engenho
Ensinando ao país da felicidade
A porta    da    frente    é    igualdade
Todos os poemas são Copyright 2013 Aline Djokic
