Atualmente sabemos que nas escolas as leis 10.639/2003 e 11.645/2008, que tornam obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena, não são plenamente cumpridas, devido a uma resistência por parte de muitos educadores e/ou até mesmo da gestão da escola, à falta de formação para trabalhar com essas temáticas, à resistência da própria comunidade escolar e também devido ao desinteresse por parte de alguns.
Felizmente, na contramão desse cenário vemos escolas comprometidas com o cumprimento da lei, observamos também o aumento de publicações com temáticas relativas à história e cultura afro-brasileira e indígena, e algumas dessas publicações estão sendo adquiridas para fazer parte do acervo de muitas escolas públicas e privadas, o que é um grande motivo de comemoração, pois os educadores e o alunado podem ter acesso a esse material com relativa facilidade.
A lei é importante porque vai contra a cultura hegemônica, que é uma cultura europeizada que se embasa no ponto de vista de povos que se acreditam historicamente superiores a outros, ou seja, civilizados, enquanto que os povos latinos, indígenas e africanos, por exemplo, são vistos como inferiores, desprovidos de civilização até a chegada do homem branco, que lhes apresentou a religião e a escrita.
Grande parte do conteúdo que é trabalhado em sala de aula nas disciplinas de História, Literatura e Arte, por exemplo, apresenta os povos europeus como aqueles que foram os grandes responsáveis pelo progresso da humanidade, enquanto os povos negros e indígenas são apresentados como aqueles que foram subjugados, pois eram ociosos, desprovidos de intelecto, só serviam para realizar trabalhos manuais dada a sua tamanha ignorância e preguiça.
Sendo assim, os autores que lemos, os artistas que conhecemos são, em sua grande maioria, homens e mulheres europeus, que falam a partir de sua perspectiva e retratam em suas obras um ponto de vista que muitas vezes resulta em uma inferiorização de populações não europeias, mais particularmente quando se trata de povos africanos e indígenas.
A escola é um espaço em que travamos contato com narrativas que embasam nossa visão de mundo, e muitas vezes se torna um espaço de reprodução e manutenção do preconceito, de reprodução do discurso da meritocracia, não fazendo uma reflexão sobre como questões como gênero, raça, classe e pertencimento étnico e regional, por exemplo, estão estreitamente relacionadas ao papel que podemos ou não ocupar na sociedade, constituindo-se como barreiras à nossa ascensão social.
Dessa forma, é extremamente relevante
trabalhar os conteúdos e associá-los a seus produtores e ao contexto em que eles estão inseridos, fazendo uma leitura crítica dos discursos que eles veiculam, porque o que levamos e/ou deixamos de levar para a sala de aula é fruto de uma escolha e pode resultar tanto em reprodução de estereótipos quanto em silenciamento de vozes sistemática e historicamente marginalizadas, que é o caso de mulheres, negros, indígenas e a população LGBT, por exemplo.
Nossas escolhas não são neutras, a escola não é neutra, pois educar é um ato político, um ato que envolve a produção e não a mera reprodução de conhecimento, o questionamento do senso comum, fornecendo as bases para a elaboração do pensamento e o exercício da cidadania, que envolve o respeito a todas as pessoas, independentemente de quaisquer marcadores de diferença.
Cumprir as leis 10.639 e 11.645 é dever da escola, pois todos têm o direito de conhecer e respeitar a história e cultura dos povos negros e indígenas que construíram este país e que deixaram marcas em nossa forma de falar, de cantar, de nos vestir, de nos relacionar, enfim, que fundaram as bases do povo
brasileiro. Por mais que se desconheça e se negue a história desses povos, ela é a nossa história também, e é um dever termos acesso a ela.
Se hoje estamos presenciando um retrocesso na nossa sociedade é porque a escola tem falhado na tarefa de uma educação comprometida com a igualdade. Não trabalhar com a diversidade é dar lugar a visões conservadoras que resultam na marginalização de todos aqueles que não atendem a um padrão do que é considerado adequado na sociedade, abrindo espaço para o preconceito a partir de marcadores de diferença como gênero, raça, classe, pertencimento étnico e regional e orientação sexual, por exemplo.
Embora se perceba que as escolas, tanto públicas quanto privadas, aos poucos têm buscado propor a discussão sobre temas relacionados à história e cultura indígena e afro-brasileira, isso geralmente acontece em abril e novembro, respectivamente, sendo tratado de forma breve e não gerando, de fato, um conhecimento novo e uma mudança de mentalidade, voltada para a compreensão da diversidade.
É importante que essas temáticas permeiem todas as disciplinas, fazendo parte do projeto político-pedagógico das escolas, ou seja, que a história e cultura afro-brasileira e indígena não sejam um projeto isolado de um determinado professor, mas que os saberes historicamente negados dessas populações cheguem à escola por meio da valorização desses povos constituintes da nossa história e, principalmente, de autores afro-brasileiros e indígenas que falem por si mesmos, não sendo representados por povos europeus, por exemplo.
Quando a diferença faz parte do núcleo escolar e é até mesmo incentivada, como deveria ser, ela não se torna motivo de conflito, mas constitui-se naquilo que é, apenas diferença, que pode ser agregadora e resultar na promoção da diversidade, pois o diverso não deve ser evitado e visto como ameaça, mas como Audre Lorde, feminista negra diz, nossas diferenças não devem ser vistas como fonte de separação, mas como forças que podem e devem ser somadas.
Referências
Mulheres negras: As ferramentas do mestre nunca irão desmantelar a casa do mestre
Imagem de destaque – Black Enterprise