É chegado o período de volta às aulas dos estudantes e com ele, nas universidades, a recepção dos calouros movimenta os universitários para receber com muita festa os novos ingressantes, já é da tradição de nossas faculdades os trotes, brincadeiras que vão de pintar e cortar o cabelo até oferecer álcool pros calouros.
Essa alegria para receber os novos alunos será sempre muito bem vinda, mas não é de hoje que o debate sobre o trote violento tem sido levantado em nossa sociedade. Isso porque, vemos cada vez mais agressões muito fortes aos estudantes. Agressões essas que reproduzem o que há de pior em nossa sociedade. Esse ano não tem se demonstrado diferente.
Os grandes jornais tem noticiado o caso da estudante da faculdade Anhembi Morumbi, mulher negra, amarrada e amordaçada com fitas após ser pintada por outros estudantes. Além desse caso, a situação degradante por que passam as calouras da Cásper Líbero têm sido divulgadas, forçadas a simular sexo oral em alimentos. Esses exemplos são não só nauseantes como mostram a importância de se debater que trote universitário, não pode se transformar em opressão.
Vivemos em uma sociedade que subjulga cotidianamente mulheres, negros (as) e LGBTIs, que afirmar se essas pessoas devem se subordinar ao sistema patriarcal, racista e homofóbico que rege todas as nossas relações. É por isso que ao amarrarem uma mulher negra reproduzem 500 anos de um doloroso processo de escravidão que essa mulher carrega em suas costas. Não é menor, o constrangimento, a vergonha e a falta de força para dizer NÃO. Assim também é a simulação de sexo oral. Afinal, para que servem as mulheres senão para provar sua capacidade de dar prazer a um homem? Que outro valor poderiam ter?
Essas ações deixam marcas profundas em um individuo que por toda sua vida vai ter que lidar com o fato de que a cor da sua pele o fara ser enxergado como inferior ou que passará a vida tendo dificuldades para levantar a voz para um homem. Portanto, não podem ser entendidas como uma simples brincadeira. Mas sim uma opressão violenta que fragiliza as mulheres e só mostra como ainda estamos muito atrás em nossa luta. Porque todos os dias ouvimos as mais degradantes ‘cantadas’ nas ruas, temos medo de sair com a roupa que quisermos, sofremos por não ter um corpo que se enquadre no padrão e um longo etc. A universidade deveria ser um espaço de desconstrução dessas ideologias e batalhamos, por isso, por nosso espaço e fortalecimento pra dizer um basta.
Hoje o Jornal Nacional transmitiu a notícia sobre tais trotes. Hoje também foi o dia que Jair Bolsonaro disse que negros e gays devem se silenciar diante da Comissão de Diretos Humanos se presidida por ele. É isso que nos mostra o grau de degeneração em que se encontra nossa sociedade, onde desde os jovens universitários até os grandes políticos reproduzem o machismo e o racismo como se isso nada significasse.
É por isso que nós mulheres, nós mulheres negras, não podemos por nenhum momento nos calar. Porque hoje essas estudantes que são oprimidas pelos trotes se sentem mais frágeis e essa realidade não pode continuar. Aos estudantes da universidade Anhembi Morumbi e da Cásper Líbero fica o aviso de que trote opressor não é diversão.
Ainda assim, sabemos que o silêncio não pode resolver o problema. Por isso, damos não só nosso apoio às estudantes que passaram por essa violência em um dia que era pra ser de diversão, como lembramos que nós, mulheres feministas negras, não ficaremos caladas.