Estamos vivendo a mudança, a ressignificação do toque e da importância de corpos e vidas marginalizadas, o mundo não aguenta mais tudo que veio acontecendo até agora, eu mesma também não, clamo pela mudança, mas de onde vem essa mudança? continuam matando quem encabeça ela, estamos em pleno caos mundial, mas então questiono quem que começou tudo isso? Nós!
Muitos travam com medo e outros fingem que nada acontece, receio da pandemia e do isolamento social que está acontecendo, negação! Que é um dos processos da mudança, pois toda mudança contêm morte e renascimento, o antigo tem que ser morto, mas não esquecido, para que possa renascer o novo com a consciência do que passou, necessitamos aprender a ser mutáveis, a escamar.
Vivemos no futuro do passado, as coisas que aconteceram antigamente refletem o agora, então precisamos fazer com que o presente desestruture para que no futuro possamos ser presenteados com mais amplitude e inclusão de todes. Então pensando no agora, diante desta pandemia que não é um dos únicos vírus que vivemos, o que você faz para que o passado não se repita?
Sou a Aguzta uma travesti preta de 21 anos que vive no vírus Brasil na cidade embranquecida chamada Curitiba, no país que mais mata pessoas trans e travesti no mundo e o que mais consome pornografia dos mesmos, segundo a ANTRA, sem contar o genocídio negro que só aumenta a cada dia.
Então reforço essas perguntas, vocês vêm travestis andando por aí em horários comerciais em plena luz do dia? Vem elas em espaços artísticos? Quantas travestis conhecem, são amigas, já namoraram, contratou, apoia o trabalho, admira? Se as respostas forem negativas, saiba que você está compactuando com o isolamento social de corpos renegados pela sociedade e ainda mais prejudicando a vivência de nós em diversas áreas da vida.
Para pessoas trans/Travestis e pessoas pretas o isolamento social é imposta, ainda mais porque criticamos o CIStema da supremacia branca. Não tem como pensar isolamento social se nunca fomos tiradas dele, enquanto cisbrancos se preocupam em como produzir e viver neste momento, eu e as minhas passam a vida toda tentando burlar esse condicionamento.
Se eu te disser que todas as pandemias vieram de consumo animal, vocês parariam de comer carne? E se eu disser que travesti não pega corona, vocês parariam de nos matar? Não & não! Se seu único problema é o medo de pegar o vírus do covid, saiba o baita privilégio que tem, pois enquanto você anseia pelo fim, eu sou o fim e o recomeço, luto por direitos que pessoas cisbrancas já tem a muito tempo.
A supremacia cis branca receia que a gente destrua a tão sagrada estrutura, tem medo de mim porque eu sou o novo, e no novo eles não são protagonistas, mas neste novo recomeço podem optar em serem coadjuvantes ou antagonistas.
Mas com o fato do isolamento social causado pelo covid-19, tivemos que se reinventar ainda mais, imagine que se presencialmente já somos excluídas, mas mesmo assim conseguimos que nos escutem de certa forma furando a bolha, virtualmente você vê somente o que quer e vive no mundo virtual que quiser criar, dificultando ainda mais nossos meios de produção e trabalho.
Para sobrevivência temos nossas táticas, umas delas é o hackeamento, comemos pelas beiradas, agimos como um vírus, e quando menos esperarem explodimos como uma pandemia dentro do central, da norma.
E ser um desses corpos em pleno século XXI é desgastante, pois ao mesmo tempo que forjo uma construção dos meus espaços sabendo que é também o meu lugar, lugar da travesti, forças exteriores fazem com que eu não ache isso, me fazendo sentir totalmente desconfortável em um lugar que é de direito meu estar, muitas vezes o que fazemos é fingir que não existe essa exclusão dos nossos corpos e bancamos mesmo com olhares hostil e risos sobre nós.
E é sobre isso, andar contra a maré, dar murros em ponta de faca continuamente, para que assim pessoas como eu que estão por vir não precise passar pelas mesmas coisas, assim como não passo por coisas que pessoas que vieram antes de mim passaram.
A nossa voz jamais é calada, mas amplificada!
A singularidade é essencial precisamos ser únicas, mas também precisamos nutrir dentro dela a pluralidade, pra pensarmos além do nosso ser, quem pensa no próprio umbigo está fadado a fechar sua visão, e muitas vezes precisamos do outro pra ampliar, não somente como representações nas mídias, mas principalmente no círculo de nossas relações interpessoais afetivas.
É vendo vivências de pessoas plurais que aprendemos a respeitar e praticar cada vez mais a empatia, o por se refém da incerteza.
E eu digo e repito, eu sou o vírus, eu sou o problema irreversível que vocês terão que lidar, não adianta se esconder, porque igual vírus eu penetro nos lugares impermeáveis e flutuo entre vocês, já era, esperem a nova era!
A dívida que vocês têm não é mais somente histórica, mas espiritual! Melhor reverterem logo, o quanto antes pagarem antes acaba, aí a escolha fica com vocês!
Para finalizar, cito duas frases dita pela Angela Davis que nos norteia com base a esse novo mundo que está sendo construído: “Não basta não ser racista tem que ser antirracista” & “A comunidade trans está nos mostrando o caminho”.
Imagem – Arquivo pessoal