Menina bonita do laço de fita, porque toda menina negra é linda

Menina Bonita de Laço de Fita”, para todas as crianças negras, crianças brancas, crianças vermelhas, crianças amarelas. Pra crianças de todas as idades. Pra crianças que crescem, já cresceram e ainda vão crescer. Pras pessoas que ainda tem as crianças guardadas dentro de si. Uma leitura preciosa.

“[…] O Coelho saiu dali, procurou uma lata de tinta preta e tomou
Banho nela. Ficou bem negro, todo contente. […]

Trecho do livro Menina Bonita, de Laço de Fita

Era uma vez. Eis que não era apenas uma vez. Diria mais, eram várias vezes todos os dias. Meninas em tantos cantos dessa terra cujas bordas se perdem além do que os olhos conseguem alcançar. Eram e são varias meninas. Meninas pequenas e Meninas crescidas. Todas essas meninas, Negras. Muitas delas devem ter se perguntado uma, duas, ou muitas vezes “será que sou bonita?”.

Talvez outras tantas não tenham perguntado, antes tenham pensado com olhos quietos “não, não sou bonita”. No ano de 1986, Ana Maria Machado publicou uma obra infantil chamada “Menina Bonita de Laço de Fita”. A autora não imaginou que esse pequeno livro se tornaria um de seus maiores sucessos. Obra infantil que pode e deve ser lida por meninas negras, e meninas brancas, e meninos negros, e meninos brancos. E deve ser lido pelas mães e pais de todas essas crianças.

“Menina Bonita de Laço de de Fita” apresenta uma menina negra bela, que se sabe bela. Olhos, cabelos, pele, a menina é descrita com delicadeza e amorosidade. Não bastasse a descrição emponderadora da menina, temos a mãe, que é apresentada como a mulher que cuida dos cabelos de menina, que a deixa bela como as princesas da África. A Menina Bonita tem um vizinho Coelho branco de olhos vermelhos e focinho tremelicante. Para o Coelho, não há menina mais linda do que a Menina Bonita do Laço de Fita. Tão linda que ele gostaria de ter uma filha pretinha.

Coelho sempre pergunta a Menina qual o segredo de sua negra beleza. A menina imaginativa, a cada momento diz algo. Ou caiu na tinta preta, ou tomou muito café, e seguem as historinhas. Cada resposta leva o amigo Coelho a tentar ficar pretinho igual a menina. Em vão, infelizmente. Um dia, a mãe da Menina explica como é possível que ela seja tão pretinha. Coelho então compreende o que pode fazer e segue a história cujo final adorável não há de se mencionar. Curiosidade é sempre saudável.

Alguns elementos chamam a atenção nessa obra infantil. A construção e descrição da beleza da Menina Bonita de Laço de Fita, destaca elementos da negritude de forma bela e positiva, sem clichês estigmatizantes. Detalhe essencial pra presença da mãe, que reafirma a identidade da Menina Bonita. Essa Mãe emponderada em sua negritude aparece em apenas 2 momentos da obra. No primeiro momento, ao cuidar carinhosamente dos cabelos da filha, não com o intuito de alisar ou torna-los diferentes, antes faz trancinhas, enfatiza a beleza da filha, compara a princesas! E não são quaisquer princesas, são Princesas da África. No outro momento, a mãe traz o sentido da ancestralidade, da negritude que não sofreu branqueamento, antes é positiva e motiva de orgulho.

Por fim, temos a presença do Coelho branco de olhos vermelhos e nariz tremelicante, que representa o olhar do Outro, o olhar da pessoa não negra. Esse olhar tem uma função importante no que compete a validação do Eu. Somos nós, mas nós nos sabemos através do nosso reflexo, e nosso espelho é o Outro. Validação e Aceitação, Apreciação e Valorização de quem somos.

Essa validação e apreciação é especialmente construída no texto nos momentos em que o Coelho tentou de todas as formas, se tornar negro. Tantas crianças negras, crescidas ou não, passam por esse desejo de se tornarem brancas. Quando o Coelho manifesta o desejo de ser negro e faz o que pode para tentar realizar esse objetivo, mostra que a beleza negra é beleza, digna de ser almejada, imitada, incorporada.

“Menina Bonita de Laço de Fita”, uma obra infantil, a ser lida por pessoas em crescimento, embora pessoas crescidas possam se ver refletidas na obra e se sentirão tentadas a abraçar as meninas bonitas de laço de fita que moram, muitas vezes, escondidinhas, dentro de uma salinha do inconsciente. “Menina Bonita de Laço de Fita”, para todas as crianças negras, crianças brancas, crianças vermelhas, crianças amarelas. Pra crianças de todas as idades. Pra crianças que crescem, já cresceram e ainda vão crescer. Pras pessoas que ainda tem as crianças guardadas dentro de si. Uma leitura preciosa.

7 comments
  1. Tenho ressalvas quanto a esse livro. Acho que é uma versão Casa Grande e Senzala para crianças. A menina bonita não sabe nada sobre sua ancestralidade e o texto não trabalha sua beleza a partir disso. Todas as explicações que a menina dá para sua beleza são baseada em estereótipos que sempre foram utilizados como piadas contra os negros, como: eu caí na tinta preta, eu tomei muito café, comi muita feijoada, etc. A autora perde uma ótima oportunidade de trabalhar a história de origem da menina. Além disso sua beleza é explicada pela miscigenação, afinal sua mãe era mulata (sim o texto usa o termo!) fruto das “artes” que a avó da menina bonita fazia. Explicar essas “artes” que a avó fazia daria um outro texto. Eu acho um desserviço esse livro…

  2. Também tenho algumas ressalvas quanto ao livro, mas acredito que o protagonismo da menina bonita as façam passar despercebidas aos olhos das crianças.
    Um livro que gostei muito e dei ao meu sobrinho (e acredito que também todas as crianças devessem ler) é o “os mil cabelos de Ritinha”. Achei lindo demais!

  3. Belo texto! Excelentes contrapontos entre o texto literário e as alteridades que atravessam a vida social. Lembrou-me de uma cena que presenciei ontem. Uma mulher conversando com outra no ônibus, dispara: ” mulher, o menino dele é lindo ( referia-se ao filho de um amigo), é bem loirinho, bem branquinho, de olhos verdes, parece um anjinho”. De imediato pensei: quantas vezes ouvi alguém dizer: ” O filhx delx é lindx, bem negrinho, de olhos pretos, cabelos crespos, parece um anjinho”? Até agora nenhuma. Parece-me, portanto, que a estética negra ainda é pouco valorizada. Contudo, textos como o de Ana Maria Machado nos dão esperança para que essa situação mude.

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não adianta, seja qual for o santo que se imponha na feitura é com ela que aprendo esse rir vencedor, que ofereço em lugar de qualquer tentativa (VÃ) de me diminuir, apagar ou derrotar é dela que vem essa pureza que me embala a gargalhada por essa doçura sem mágoas, que também é arma letal para inimigos com ela, que amo tanto, Oxum Menina