Faz tempo não escrevo. Faz tempo que me sinto sem inspiração, sem nada de novo pra falar, mas aí eu me lembrei que nesse tempo todo me sentindo com pouca coisa boa pra dizer eu tenho ouvido muita coisa boa e uma dessas coisas é a música de mulheres negras do mundo.
Houve um tempo em que eu queria ser cantora, fiz até um curso na Escola de Canto Popular em Salvador, mas como boa geminiana, desisti no meio do caminho. A paixão nunca acabou. Triste, feliz, com saudade ou depressiva dou o play no youtube – sim, melior lugar para ouvir música – e me deixo levar pelas melodias.
Procurando mulheres incríveis para ouvir, voltei no que eu havia escrito aqui em 2015 e me senti desafiada a escrever sobre outras mulheres negras na música, agora mirando mais alto: o mundo inteiro! Tinha pensado em separar primeiro pela América Latina, mas acho que pode ser coisa para um próximo longo texto.
Quando pensei em falar das mulheres negras e a música do mundo, corri pro twitter e fui perguntar lá o que as pessoas estavam escutando no momento, e eis que sairam sugestões maravilhosas e por isso mesmo preciso agradecer carinhosamente a Maria Rita, Cândida Fernandes e ao Ponto G. Como são muitas as mulheres negras com estilos e performances diferentes, vou listar algumas que indico looping eterno. Então vamos lá:
Yusa
A primeira vez que eu ouvi Yusa foi no dvd In Cité de Lenine lá nos idos de 2011. Fiquei fascinada porque além de tocar divinamente aquele baixo, Yusa se garantia muito fazendo segunda voz. A cubana que tem uma carreira consolidada desde 2002 é uma exímia multi instrumentista, tendo ganhando já um Cubadisco – prêmio de um dos festivais mais celebrados do cenário musical cubano – e participado de projetos incríveis ao redor do mundo como musicista. De Colores, de 2013 é um dos clips que mais gosto, com uma melodia feliz e que mostra Yusa leve e linda nessa roupa que eu quero pra mim (ahahaha). Dê play!
Isaar
Me chamaram pra ir numa festa no Edifício Pernambuco e eu fui. Nunca imaginei que iria me deparar com uma mulher com uma voz tão potente quanto a de ISAAR. Me lembro muito bem que eu e meu amigo Patrício ficamos hipnotizados com a voz e a presença dela. Essa recifense maravilinda foi integrante da banda Comadre Fulozinha, está na estrada desde 2004 e já teve participação em trilhas para cinema, teatro e inclusive em projetos como o Era Iluminada: Tropicália, ao lado de Tom Zé, Roberta Sá e outras figurinhas carimbadas. Ela é tão extraordinária que eu recomendo que ouças o CD inteiro – esse que é o seu último. Aproveite!
Akua Naru
Não me lembro direito quem em apresentou Akua Naru, mas quando eu dei play no que me mandaram, fiquei uma semana ouvindo sem parar. Entrei em desespero quando ela esteve na Senzala do Barro Preto e eu não pude ir, mas me realizei recentemente quando vi um monte de fotos de pretas conhecidas ao lado dessa deusa. LaTanya Olatunji ou Akua Naru é norte americana do estado de Connecticut e desde criança essa talentosa escrevia poesias; Sua carreira de MC começa ainda na sua terra natal e em 2006 a rapper alça voos maiores e conquista os corações gélidos dos brancos europeus. Daí então foi só broncança: Akua lançou seu primeiro albúm The Journey Aflame e nunca mais parou. Essa música que indico é uma das que mais amo porque mostra a habilidade da moça na rima rápida cheia de melodia – coisa que curto demais. Ouça tudo!
Mariene de Castro
Claro que não podia faltar baiana na lista, né? Já velha conhecida nossa, Mariene tem se destacado no mundo do samba e ganhado espaços cada vez maiores. Depois de se apresentar na Abertura das Olimpíadas de 2016 e dar show numa performance que fez as filhas de Oxum todas chorarem, ela brilhou nas telas das nossas salas interpretando Dalva, em Velho Chico. Tendo emplacado seus sucessos na Bahia, como digna cria do Recôncavo, Mariene tem trilhas sonoras em novelas e no aclamadíssimo filme “Ó pai Ó”. Eu amo absolutamente TUDO o que ela canta, mas essa música nesse dvd gravado no Teatro Castro Alves me dá um arrepio indescritível. Tem uma parte que nem consigo cantar… Bom, chega né. Ouça e se emocione também.
Concha Buika
Vou pedir primeiro que você dê play e ouça vendo. Pronto? Agora me diga se a gente precisa mesmo falar mais alguma coisa a respeito dessa preta (que já foi comparada a Nina Simone e Billy Holiday, bicha!?)…Também não me lembro como conheci esse ser divino, mas nunca mais pude deixar de ouvir Ay de mi primavera quando estou bastante triste. Concha Buika é de Palma de Mallorca, na Espanha, uma região da costa do país conquistada pelos Mouros e que por isso tem muita influência da população do Norte da África. Não à toa, Buika é descendente de Guinéu-equatorianos e traz na sua obra toda essa bagagem da música negra espanhola. Já foi premiada com um Latin Grammy Awards e passou pela rota dos maiores festivais do mundo, como o Copenhagen Festival, Noth Sea Jazz e Montreaux. Essa faixa jodida pero contenta é a minha favorita por justamente falar da realidade da maioria de nós: sofrendo, mas contente. Dê play mais uma vez!
Asa
Essa compositora, cantora e deusa da música é nigeriana e encanta todo mundo com sua voz. Pra variar não me lembro como conheci ASA, só lembro que meu primeiro vídeo visto era ela cantando ao vivo para um canal francês e que quando cortava pra plateia, mostrava um branco literalmente de boca aberta olhando a preta cantar em yorubá. De uns tempos pra cá percebi que ela deu uma “modernizada” na sua música, inclusive nos seus videoclips – onde ela tem feito mais músicas em inglês – mas que continuam lindos, coloridos e apaixonantes iguais. Bamidele é a minha preferida justamente porque ela canta em yorubá e nos presenteia com sua performance que chega a ser mágica. Ah, também indico ouvir Iba – agora se prepare pra sentir aquele banzo.
Lianne La Havas
Minha rainha não podia faltar. Essa eu me lembro como descobri, mas prefiro não contar. Apesar dos pesares, Lianne foi ouvida tantas vezes por mim que acho que os vizinhos me odeiam. Pra começar ela é britânica, então só o sotaque já conquista. Descendente de jamaicana com grego, ela é o retrato da versatilidade numa artista só: dança, toca guitarra e baixo e canta como ninguém. Recentemente ela participou do AFROPUNK Festival e arrancou elogios da crítica com sua performance carregada no rock n’ roll. Premiadíssima, ela coleciona um iTunes Best of Year de 2012 e indicações para o MOBOAwards como melhor álbum de R&B e melhor cantora – não é fraca mesmo. Indico Midnight que foi a música das minhas madrugadas e que apesar de ser agitadinha tem uma letra bem melancólica do jeito que a gente gosta. Ouve ai!
Jovelina Perola Negra
Minha mãe sempre nos acordou no domingo de manhã com cheiro de feijão na casa e com o rádio ouvindo “roda de samba piatã”. E claro que na playlist da rádio era muita Jovelina. Carioca nascida na zona sul, essa partideira fez de Belford Roxo (Baixada Fluminense) sua casa e justamente por isso sua música foi e sempre será o hino das mulheres negras. Gravou seu primeiro disco em 1985, e compôs músicas como “No mesmo manto” que fala sobre religião de matriz africana, “Ferinha da Pavuna” que é um clássico do samba e uma das que mais gosto, Samba Guerreiro – letra completamente positiva e que nos deixa pra cima, mesmo naquela velha dificuldade. Mas a escolhida pra gente ouvir junta é a Sorriso Aberto: ela me lembra minha mãe, Gabriela Ramos (minha eterna dinha) e Adriana Baptista – as três mulheres guerreiras mais felizes que já conheci. Dá play e chora comigo.
Acho que a música faz mais parte da nossa vida do que a gente presta atenção. Se a gente tirar aqueles velhos clichês de amores, lembranças e tristezas, vai perceber que a música está para nós, mulheres negras, como parte do cotidiano, da sobrevivência. Lavando roupa, escrevendo, andando de ônibus ou bike… Não necessariamente entendendo o que se diz, mas sentindo sobretudo.
Bom, espero que vocês tenham curtido as dicas e sim, mandem o que vocês ouvem aqui nos comments, pra gente poder compartilhar com as outras pretas! Mandem as histórias, os sentimentos pra gente sentir junto.