Black Friday, assim é chamada a primeira sexta-feira depois do dia de Ação de Graças nos Estados Unidos. Quando a preparação para as festividades natalinas se inicia, é lançada a mais popular campanha de ofertas dessa época. Preços baixos, descontos, promoções. O comércio brasileiro copiou esse modelo de vendas e passou a oferecer também o seu “Black Friday”, convocando clientes para um momento de vendas que beira uma catarse coletiva. Mas fica a pergunta, quão negra é essa sexta-feira?
Aparentemente a publicidade brasileira ainda considera que o negro é mercadoria, não um consumidor em potencial. Desconsidera que pessoas negras preferimos quem nos representa. Ainda estamos num momento de completa invisibilidade, uma não representação que nos obriga ao boicote de marcas que até querem nosso dinheiro, mas não nos representam. Esse é o único caminho para que se entenda que nossa ausência em comerciais serve à naturalização do racismo na medida em que não somos mostrados exercendo as atividades mais cotidianas da vida, como usando um esmalte ou um produto eletrônico.
Falando especificamente de mulheres negras, é como se não fossemos humanas o bastante para usar esmalte, uma calça jeans, um creme para a pele ou o mais simples dos produtos eletroeletrônicos. Tente se lembrar de uma propaganda em que sejamos mostradas consumindo um absorvente higiênico por exemplo. Quando somos mostradas, esse movimento se dá apenas para que a cota de 100% destinada a pessoas brancas não seja de todo evidente. Estamos falando da desumanização através de uma invisibilidade que nos grita aos olhos.
O apartheid publicitário à que nós pessoas negras somos submetidas denuncia também que não estamos à contento nas faculdades e nas agências de publicidade. Ano passado por exemplo, na carreira de Publicidade e Propaganda, não houve nenhuma pessoa negra entre aqueles que passaram no exame da Universidade de São Paulo. A desculpa sempre é a mesma – quem faz propaganda diz que estão apenas reproduzindo o retrato de uma sociedade que não é equânime, dando de ombros para o fato de que também tem uma grande, senão estratégica, responsabilidade na construção da mesma.
Nós, Blogueiras Negras, fizemos o teste do pescoço e pesquisamos* algumas marcas para dizer: NÃO ME VEJO, NÃO COMPRO! Diremos não à uma diversidade que não se sustenta, que é prática apenas discurso no gogó de quem faz publicidade mas que ainda se dá ao luxo de fechar os olhos para o fato de sermos a maioria da população. Precisamos superar o modelo em que ainda somos uma presença exótica, onde se acentua ainda mais o racismo. Não adianta estampar uma menina negra se na estampa de sua blusa aparece uma princesa branca ou contratar apenas uma pequena porcentagem de modelos negras para dar uma falsa impressão de inclusão.
Nossa aproximação para com o tema foi simples, como dissemos antes, fizemos um simples teste do pescoço. Escolhemos algumas marcas e contamos em suas fanpages (facebook) qual a proporção de mulheres negras eram representadas em relação ao números de mulheres brancas. Ficou evidente que algumas marcas, mesmo as que aparentam primar pela diversidade, não são tão diversas assim. Convocamos todas as pessoas negras a guardarem esses resultados em suas mente durante todo o ano e especialmente agora em que a famigerada Sexta-Feira Negra se aproxima. Grite conosco para os quatro ventos – NÃO ME VEJO, NÃO COMPRO!
Eis o resultado.
*Dados coletados entre 24 e 25 de novembro de 2014
Brinquedos
Ri- Happy (250 crianças) – 98% brancas
B-Mart (31 crianças – todas as imagens da fanpage) – 100% brancas
Vestuário
Riachuelo (412 mulheres) – 97% brancas
Zara (350 mulheres) – 100% brancas
Renner (360 mulheres) – 85% brancas
C&A (565 mulheres) – 87% brancas
TNG (249 mulheres) – 94% brancas
Malwee (430 mulheres) – 94% brancas
Hering (411 mulheres) – 97% brancas
Marisa (343 mulheres) – 94% brancas
Cosméticos
Risqué (500 mulheres) – 98% brancas
Impala (377 mulheres) – 99% brancas
O Boticario (250 mulheres) – 93% brancas
Quem disse Berenice (250 mulheres) – 90% brancas
Natura (250 mulheres) – 95% brancas
Avon – (300 mulheres) – 95% brancas
Vicky – (500 mulheres) – 97% brancas
Calçados
Arezzo (503 mulheres) – 99% brancas
Melissa (250 mulheres) – 99% brancas
Tecnologia
Samsung (211 mulheres) – 95% brancas
LG (250 mulheres) – 99% brancas
Sony (250 mulheres) – 98% brancas
Vichy (537 mulheres) – 93% brancas
13 comments
Fiquei assustada com os dados. Nunca sofri racismo, pois sou branca. Mas não me calo, porque não quero que a minha irmã passe por esse tipo de situação. No caso disso acontecer, quero que ela tenha coragem e autonomia para se defender, não se deixar atingir e lutar contra. Assim como vocês estão fazendo.
Há tempos tenho refletido sobre a dificuldade de criar uma criança negra em uma família branca. Fiz uma referência a vocês lá! Usei duas figuras, mas obviamente dei os créditos. Espero que não se importem, caso contrário retiro sem problemas.
Beijos…
http://adivinhahoney.blogspot.com.br/2016/01/nao-me-vejo-nao-compro.html
Entrei achando que ia encontrar algum argumento absurdo tentando achar racismo no nome da campanha e me deparo com um texto fantástico, dados precisos e argumentos excelentes. A internet precisa disso: menos mimimi e mais inteligência. Parabéns.
Só concordo…é um apartheid publicitário…somos invisíveis e quando aparecemos não passamos de meras caricaturas criadas pela publicidade, tv, cinema e afins para satisfazer “a cota do politicamente correto”… Hipócritas.
Demaisssss!! No meu dia-a-dia já agia assim, mas perfeito esse levantamento mais preciso! Estamos usando o mesmo método para mostrar a ausência de [email protected] no corpo docente na universidade que estudo! Isso aí!
Gostaria, e muito, de gráficos idênticos sobre o consumidor masculino.
Excelente matéria!
Tem alguma empresa com um percentual maior de colaboradores negros?
Mais fácil citar quais não tiveram resultado semelhante.
Que tristeza…
O pior é que essa situação não se restringe apenas às propagandas, mas também às novelas, filmes, livros, e qualquer outra coisa produzida aqui no Brasil. Isso me assusta porque, apesar do que diz os censos do IBGE, nosso país tem uma maioria de negros e “pardos” que simplesmente não se veem representados. E, claro, tendem a negar sua negritude.
É inadmissível nos encontrarmos numa situação dessas em pleno século XXI, num país onde dizem ser tão acolhedor para com a diversidade. Às vezes (sempre) tenho vergonha de ser brasileira.
Estou indignada como o negro e tratado na sociedade.Todos os dias eu vejo o preconceito em todos meios de comunicacao no dia a dia.Vamos refletir, como diz gabriel pensador na musica
”racismo é burrice
Dê a ignorância um ponto final
Faça uma lavagem cerebral’
Sem contar que muitas destas marcas exploram o trabalho escravo!
Isso se torna especialmente absurdo quando se fala em marcas para cabelo. Dá pra lembrar de umas 5 ou 6 marcas diferentes de produtos para cabelos, que anunciam na TV e JAMAIS tem no comercial um produto para crespos ou um cabelo crespo. Nem sequer encaracolado. Isso mesmo quando o cabelo cacheado está tão em alta. Vergonhoso! De costume, essa exclusão e negação se repete nos sites de divulgação de inúmeras marcas. Lembram-se de que a Pantene, há cerca de 2 meses e meio divulgou no comercial produtos para liso e para crespo? Rapidinho o comercial saiu do ar, só vi um dia.
Até gostaria de divulgar uma marca que, quando entramos no site tem (até agora) a foto de um cabelo liso e outro crespo, a Hidrabell. Acho muito boa e uso a linha para tingidos rss (sim, contém parabenos)
E geralmente quando aparece um cabelo crespo ou cacheado é para ser alisado.
Esta tal de Black Friday é uma furada monumental, feita para incautos que vivem de valorizar o que vem de fora. Lojistas, na sua busca desenfreada por lucro, aumentam os preços dos produtos meses antes, para nesta data colocá-los no preço “real”. O capitalismo de terceiro mundo não oferece vantagens para ninguém. Só os comerciantes da meca deste sistema podem fazê-lo, graças ao poder que seu país tem de dominar as riquezas alheias, sob os mais cínicos pretextos.