Por Thatiane Santos Almeida e Renata Prado
Dentro dos espaços de militância negra encontramos diversos debates. As pessoas, comumente, tem muita facilidade em abordar assuntos como a repressão policial, a questão socioeconômica da população negra, a questão indígena, aceitação de raízes, entre outros, mas dificilmente discutimos o feminismo em uma corrente heterogênea. Ainda encontramos resistência em desfocar tal assunto e possíveis discussões do feminismo, pois esse assunto é pauta de correntes onde predominam mulheres. Algumas barreiras dificultam o desenvolvimento e engajamento na luta feminista dentro dos movimentos, e uma das possíveis possibilidades empacadora da discussão feminista é a questão viril do homem negro.
A virilidade masculina é algo que grande parte dos homens desenvolve, mesmo que seja através do sub consciente. Uma das características dessa virilidade desenvolvida inconscientemente (ou até mesmo conscientemente) é perder sua masculinidade com a presença da luta feminista. Há um pensamento vigente entre muitos militantes, como já nos ensinou Angela Davis, de que se “perca” a masculinidade com a presença da luta feminista e o protagonismo das mulheres.
É necessária a reflexão sobre o fato de que um militante tenha a capacidade de se mobilizar por uma causa, mas não dar a devida importância para outras que não lhe atingem diretamente. Uns dos discursos mais usados nos espaços de militância é a intolerância com o sistema opressor. Somos orientadxs a lutar sempre de cabeça erguida contra a opressão, somos ensinadxs a não deixar opressões passarem despercebidas, somos educadxs com diversos valores de militancia, entre outras coisas importantíssimas para a igualdade dentro de uma sociedade, porém, quando se trata de feminismo, esses mesmos militantes que nos apresentam tais valores, tratam o feminismo de uma forma secundarizado.
O sujeito consegue compreender o que é racismo, saber que ele é construído para nos agredir, desestabilizar e destruir, e que justamente por isso deve ser combatido com contundência. Por outro lado, quando nós mulheres reivindicamos nossa liberdade com um tom mais ríspido, geralmente somos chamadas de exageradas; somos acusadas de dividir a luta anti-racista etc. Percebe-se nessa resistência, como esse discurso se iguala à branquitude racista que deslegitima o movimento negro sob a argumentação de que estaria se criando ódio racial. A diferença é que quando um branco chama um negro de ladrão, ninguém no movimento quer ser brando com o opressor, mas quando uma mulher é depreciada entre os homens militantes, tentam arrumar mil desculpas pra legitimar a opressão, chegando até mesmo a dizer que usamos o feminismo como pretexto pra transar com quem quisermos sem sermos questionadas.
Em diversos lugares onde é pregado o discurso da militância negra, notamos que muitos homens tem dificuldade em exercer a igualdade entre sexos. O discurso geral dos militantes é o politicamente correto, mas na pratica não é bem assim que funciona. Vemos homens discursando por questões de desigualdade de gênero, defendendo o feminismo, lutando contra o sistema militar, porém vemos os mesmos, selecionando mulheres “que não são rodadas” para se relacionarem de forma mais séria. Estranho, não? Para muitos, não é. Partindo dessa leve observação, nesses mesmos locais de disseminação afro política, é natural que as pessoas se relacionem afetivamente. Uma mulher se envolver com um pessoa que parte dos mesmos ideais é algo plenamente aceitável. Até aí, tudo bem.
O machismo se manifesta quando essas irmãs praticam a liberdade de se relacionarem com outras pessoas. “x segundx da lista”, não se reclama. Mas, se essas mesmas irmãs resolverem partir para x terceirx, quartx ou quintx companheirx, começa-se a adjetivá-la como “mulher que não presta”, “vagabunda”, aqueles “adjetivos” que utilizam para mulheres que “ousam” ser sexualmente livres. E infelizmente, muitos se mantêm na hipocrisia, e, falsamente mostrarão que concordam com essa liberdade, com a diversidade dos corpos, relações livres, porém, sabemos que na prática, na intimidade, não é isso que acontece. Na prática, na realidade, é o machismo que predomina e, consequentemente, a imposição de um padrão do que eles julgam ser a “mulher de verdade”, aquela que aceita e não contesta a liberdade sexual deles, e, que seja submissa.
Vejo muitos homens militantes dizendo que abraçam a causa feminista apenas para não se assumirem machistas. Ser machista é feio, não pega bem! O racista faz a mesma coisa. Ele diz que não é racista porque é feio e suja a imagem dele, porém, é o primeiro a chamar o vizinho de “macaco”. Quantos militantes negros vocês conhecem que lutam VERDADEIRAMENTE contra o machismo que está interiorizado, que foi e continua sendo imposto através da nossa cultura?
Muitas vezes, distorcem os objetivos de nossa luta sob a argumentação de que estamos sendo agressivas demais ou que tudo não passou de um mal entendido. O que percebemos é que a lógica da opressão continua a mesma, só se mudam os atores.
Aliás, estamos cansadas dessa história de homens querendo nos ensinar o que é feminismo. Por que os mesmo que reclamam dos brancos que tentam ensinar o que é racismo, querem nos dizer o que é machismo? Como se não bastasse ocupar grande parte das lideranças de outros movimentos, homens ainda querem estar na linha de frente do feminismo? Não, obrigada. Não precisamos disso, precisamos de pessoas que tenham compreensão com a nossa luta e saibam reconhecer seus privilégios, respeitar as nossas causas e a nossa liberdade.
Racismo, questões indígenas, machismo, homofobia, lesbofobia e transfobia estão intimamente ligados, nada mais coerente do que um apoiar e lutar pelo outro.
Finalizando o texto, para não dizerem que estamos “pagando de loucas”, questionamos vocês com a seguinte pergunta: será que somos as únicas, dentro dos espaços de militância, que já presenciaram ataques machistas sutis (ou não)? Será que nunca ninguém ouviu um(a) militante fazer “piadinhas” sobre a quantidade de parceiros que uma irmã tem ou já teve?