O Rio Grande do Sul é apontado, ainda hoje, como reduto europeu. O significante deslocamento de imigrantes alemães e italianos para o sul do Brasil reforçou o mito da ausência de negros e índios por aqui, dois grupos étnicos que historicamente prestaram inestimável contribuição para a construção da riqueza desse estado.
Os afro-descendentes constituem hoje parcela significativa dos habitantes deste estado. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Rio Grande do Sul conta, atualmente, com 1,3 milhões de negros, destes, 631,6 mil são mulheres. O percentual é de um pouco mais de 13% de negros gaúchos. O número, entretanto, não legitima o mito de que no Rio Grande do Sul seja predominantemente branca. Porto Alegre por exemplo já ocupou o 19º lugar de capitais brasileiras em termos do tamanho da população negra.
No Rio Grande do Sul existem diferentes centros e associações que atuam junto a comunidade negra. Entre esses a Associação Cultural de Mulheres Negras (ACMUN), idealizada e fundada há vinte anos por um grupo de mulheres negras da Vila Maria da Conceição em Porto Alegre. O trabalho inicial do grupo era rezar o terço já que também eram agentes pastorais negras (da igreja católica) e em seguida se deram conta que apenas rezar não estava resolvendo a vida das mulheres negras daquela comunidade.
A presença de mulheres negras como já ressaltado, é de 6,2% no Estado, número pequeno entretanto de extrema importância para a luta de sua visibilidade. Para a coordenadora Simone Cruz o mito da ausência de negros e negras no estado acaba se tornando um dispositivo de negação da população negra, que produz uma invisibilidade social a esta população e consequentemente produz o racismo.
O combate das mulheres negras gaúchas perpassam as causas das mulheres brancas, embora ambas sofram consequências do machismo. Não estou aqui para apontar que a opressão das mulheres brancas é menos importante que o sofrido pelas mulheres negras, mas enquanto as mulheres brancas buscam equiparar direitos civis com os homens brancos, a mulher negra é discriminada duplamente, uma por ser negra, outra por ser mulher.
A ACMUN desenvolve projetos comunitários na Vila Maria da Conceição, Rubem Berta e Cruzeiro em Porto Alegre, atuam, também, com mulheres negras de Canoas, Alvorada, Viamão e Eldorado do Sul. Um dos princípios da associação é desenvolver o empoderamento das mulheres. Simone ainda ressalta que o grupo tem um reconhecimento amplo das mulheres negras em Porto Alegre, por conta dos projetos desenvolvidos, sobretudo aquele voltado a prevenção de DST/AIDS e Saúde da População Negra. O trabalho da associação que mesmo, algumas vezes, em número não expressivo, consegue impactar positivamente na vida de diversas mulheres do estado.
As mulheres negras do Rio Grande do Sul têm obtido alguns espaços e direitos. Muitos desses avanços foram alcançamos com a existência de políticas de saúde e de igualdade racial que contempla nossas necessidades especificas. Contudo nosso maior desafio tem sido efetivar tais políticas, pois as mesmas tem relação direta com o racismo institucional e individual, relata Simone. No estado ainda persistem muitos desafios para superar o racismo, machismo, sexismo e desigualdades sociais. Entretanto a persistência e o elo de solidariedade entre as pretas é base de sustentação para seguir na luta contra a opressão de raça, gênero e classe.
Referencias consultada:
CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero.
Feminismo Negro, minorias dentro da minoria, por Jarid Arraes.
Entrevista: Simone Cruz, Coordenadora da ACMUN, psicóloga, especialista em psicooncologia, mestre em saúde coletiva. Integrante da Comissão de Articulação com os Movimentos Sociais – CAMS do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais/Ministério da Saúde. Secretária Executiva da AMNB (Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras). Atua na área da saúde coletiva com ênfase na saúde da população negra, gênero, ativismo negro e de mulheres negras, presidente da Associação Cultural de Mulheres Negras.
Imagem de destaque – Marcha da Consciência Negra, 2013. Ramiro Furquim/Sul21.