Andrezas, Amarildos, Cláudias e Rafaéis não são 4, são milhões.
A cada Rafael Braga que é preso pelo porte de desinfetante, o Poder Judiciário brasileiro é condenado ao fracasso.
A cada Amarildo que some, junto a ele desaparecem os pilares dos direitos constitucionais fundamentais.
A cada Cláudia que é arrastada, rasteja com ela a Política Criminal Brasileira.
A cada Andreza que é presa arbitrariamente, padece um muito das liberdades nesse país.
Estou farta de ligar a TV e me sentir invisível. Quero ver lésbicas negras retratadas com a mesma delicadeza, beleza que pude ver entre Nico (Thiago Fragoso) e Félix (Mateus Solano), em Amor à Vida. Quero ver mais personagens como Carolyn (Aisha Hinds) de Under the dome, cuja primeira temporada foi exibida na Globo até o julho deste ano: lésbica negra, em um relacionamento maduro bem resolvido com Alice (Samanths Mathis), com quem tem uma filha.
O Rio Grande do Sul é apontado, ainda hoje, como reduto europeu. O significante deslocamento de imigrantes alemães e italianos para o sul do Brasil reforçou o mito da ausência de negros e índios por aqui, dois grupos étnicos que historicamente prestaram inestimável contribuição para a construção da riqueza desse estado.
Tanto dona Daíndia quanto Rayssa são mulheres, negras e quilombolas. Precisam de forma rápida de assistência, as duas para realizar sonhos. Uma para ter a garantia de ter seus filhos em casa sem privações e a outra para garantir a vida repleta de maravilhas naturais, mas sem o impedimento de não poder ter uma educação de qualidade e uma vida digna de direitos.
Diretores do cinema nacional, as negras são mulheres lindas, excelentes profissionais. São professoras, médicas, advogadas, chefes de cozinhas, enfermeiras, engenheiras, motoristas, empresárias, rappers, escritoras, jornalistas, floristas, desenhistas, poetas, cobradoras de ônibus, feirantes, esportistas, donas de casa. Compõem o cenário profissional médio de enorme importância para o superávit da economia nacional. Pagam impostos, são mães, avós, amantes, tias, têm famílias e atrizes talentosas.
Que fique enegrecido: nós Blogueiras Negras entendemos que o feminismo negro, mesmo em suas diversas manifestações, é absolutamente incompatível com a transfobia. Acreditamos que não seja complicado entender que nossas mulheres são atingidas por ela, tem sua existência negada, sua humanidade diminuída simplesmente por serem transexuais e por serem negras, uma superposição de identidades que cria um eixo único de violências. Às mulheres negras cis só existe uma possibilidade nesse sentido: sermos aliadas.
Lutar por uma representação real na TV passa, também, por lutar para que nossas demandas sejam debatidas nas redes nacionais. Não basta atribuir papéis importantes e fortes para as mulheres negras (embora isso seja de extrema importância), é preciso que as produções destinem um espaço para se problematizar a posição social dessas mulheres.
Nas décadas de 1970 e 1980 feministas negras como Angela Davis, bell hooks e Lélia Gonzalez já apontavam que a luta antirracista é indissolúvel da luta de classes. A recusa de feministas em reconhecer outras experiências de mulheres (que não as brancas, universitárias e de classe média) suprimiu a conexão entre raça e classe, escamoteando a situação de privilégio de um seleto grupo de mulheres forjado pelo discurso da “opressão comum”.
Eu tô falando com vocês que estão ávidos pela redução da maioridade penal. Eu tô falando com vocês que não veem cor, que não veem classe social. Que querem justiça independentemente de cor ou classe. Vocês precisam entender de uma vez por todas que se vocês se negam a enxergar e negam todo um contexto social que a polícia não nega. Alias, a polícia sabe direitinho a quem abordar, como abordar, e o que fazer quando a abordagem dá errado.
Não quero silêncio e nem promessas, estou cansada de ver o racismo assombrando e violentando nossos corpos há pelo menos quinhentos anos aqui no Brasil. Somos arrastados constantemente por correntes e presos a algemas de um sistema que tem o Estado como principal aliado na barbárie impetrada a nós todos os dias.
Segundo as autoras de Muito bem, Carolina!, a escritora é descrita por seus contemporâneos como uma mulher geniosa, inquieta, explosiva, atrevida, petulante, ousada, corajosa, arredia, rebelde. Não parava em nenhum emprego era demitida ou se demitia, pois era “capaz de questionar e desafiar autoridades”. A audácia lhe rendeu o apelido de “língua de fogo”. Na favela era ela quem chamava a polícia quando havia algum problema e mediava as brigas entre os moradores, defendendo os mais fracos.
A gente não precisa de proteção, a gente não precisa de um príncipe, a gente não precisa de alguém que nos cerque por todos os lados, a gente não precisa casar, a gente não precisa ter filho, a gente pode ter cabelo curto, a gente pode beber com os amigos, com a família, com o diabo! A gente pode o que a gente quiser. Inclusive revidar.