O ano que passou nos entregou um tempo precioso, ainda que ele tenha vindo acompanhado de muitas dores. Revirou tudo que acreditávamos ser verdade. Deixou em nossas certezas uma enorme interrogação. Permitiu, para alguns, que as dúvidas fossem um caminho para que pudéssemos chegar mais perto de nós mesmos e de forças tais, que permitiram que chegássemos até aqui. Vivos.
A gente se perde com uma enorme facilidade da gente mesmo. Depois demora a se encontrar novamente. O tempo, talvez a maturidade, vai facilitando esse trajeto de ir e voltar para nós mesmos. Esse é um dos exercícios para estar conosco independente de quem esteja ao nosso lado e das circunstâncias que envolvem a nossa realidade.
Entender que somos agentes e protagonistas das nossas vidas exige esforço e disposição, fazendo com que muitas vezes deixemos de assumir esse papel, em detrimento dos filhos, da família, dos relacionamentos, do trabalho e de tantas chuvas que caem sobre nós. Acho que é normal isso acontecer, mas impedir que o outro retire de nós ou impeça a fluência de forças importantes e poderosas para que nosso respirar seja renovador e fértil é tarefa árdua, diária, constante…
A Natureza do que somos em algum momento emerge e grita nos forçando a redirecionar o caminho. A princípio não sabemos o que é essa Natureza? De onde ela surge? O que ela quer de nós? Ela é nosso desconhecido particular e como tal nos amedronta porque não temos ideia de que caminhos teremos que construir para desbravá-la?
Nesse momento nós podemos aceitar e seguir o fluxo do desconhecido ouvindo a voz interior/ancestral que vive dentro de nós ou seguir cumprir um papel social que nos propusemos ou que fomos colocadas nele?
Ser gente, ou melhor, ser a gente mesmo dá um bocado de trabalho. Às vezes os caminhos que tomamos e as escolhas que fazemos retiram de nós a disposição para seguir outras possibilidades, senão as que nos são apresentadas.
O caminho, a construção das ferramentas e a bússola para chegarmos no âmago da nossa Natureza é longo e por vezes muito doloroso. As fragilidades e a falta de identificação com o sofrimento nos distanciam da nossa própria humanidade. É preciso viver os desconfortos da estrada para descobrir o quanto somos capazes de chegar às nossas melhores versões.
Aceitar e acolher as transformações internas é o primeiro passo para entender o processo pelo qual passamos. É fundamental deixar as cobranças e a culpa de lado, permitindo que o tempo aja em nós restabelecendo o fluxo dos sentimentos e das emoções. A mudança de olhar para nós mesmos depende desse instante, do momento que nossos olhos conseguem valorizar nossas conquistas e as marcas que o tempo nos deixou.
Tudo são marcas, os quilos a mais, as rugas, as estrias, tudo sinais impressos no corpo que nos sustenta. Nosso corpo é a nossa história, é o que nos trouxe até aqui. Ter um olhar de amor e compaixão para ele nos ajuda a superar as dificuldades da trajetória, essas que agitam nossas águas internas e remexem o fundo da alma trazendo para a superfície elementos que também precisam ser pensados e ressignificados por nós.
É o grito que nos impede de sermos engolidos pelas falsas ilusões de felicidade. Felicidade é conquista interna, se constrói de dentro para fora. É preciso terreno sólido, transparência, honestidade, coragem para encarar as verdades da existência sobre si mesmo. Ela é inerente às circunstâncias, é um sentimento que nos preenche a partir da claridade que permitimos ter das nossas águas internas, ou seja, das nossas sombras.
Quando fazemos as pazes com nossa Natureza, os tufões passam, as águas se acalmam e aos poucos aquela sensação de “despertencimento” vai dando lugar a forças ancestrais que ao se encaixarem em nosso íntimo, vão encontrando formas harmônicas de ser e sentir o fluxo da vida, formando novos veios nesse mesmo rio que compõem nossa breve existência.