Querida pessoa branca,
Eu te amo. Te amo, mas talvez nossa relação não tenha futuro.
Eu te amo. Mas não te amo “por” quem você é. Eu te amo “apesar de” quem você é.
Não me entenda mal. Eu te amo. Amo porque amor não tem explicação.
Amo; apesar de amar com prazo de validade. Amo; apesar de prever a data do rompimento da nossa relação.
O afeto que você me vende, já não posso mais pagar. Isso que você chama de afeto, cresce como erva daninha em cima da minha sanidade mental. Seu afeto vem com pena a apagar e a obrigação de reter em mim todo o seu racismo. Estou cansada dessa nossa relação, onde você me tem sempre disposta a teus arroubos racistas que insiste em dizer inofensivos. Você não me pergunta se estou disponível, se estou segura, se posso, naquele dia, ontem, hoje ou amanhã, me dispor a te educar.
Eu te amo, querida pessoa branca. Ofereço a você o meu afeto. Mesmo sabendo que ele não será suficiente pra manter a nossa relação. Ofereço a você o melhor de mim, minha simpatia, minha alegria – muitas e muitas vezes fabricada -, meu senso de humor e capacidade de contornar – quase – sempre o pior do seu racismo e branquitude hegemônica.
Cara pessoa branca, nem tudo em mim é afeto. E, sendo assim, não só de afeto viverá nossa relação. Mas, exatamente como eu previ, apesar de eu ter – quase – sempre uma disposição sobre-humana (porque sim, não é só dor física que nós, negras e negros, somos obrigadas/os a aguentar. Sobre-humanos para conter a dor. Sub-humanos em todo o resto) pra contornar o pior do seu racismo, travestido em vontade de desconstrução. Esse teu afeto condicionado não é capaz de “sustentar o meu rolê”.
E sustentar o meu rolê quer dizer estar ao meu lado, mesmo quando eu não puder estar ao seu. É entender que, por mais afeto que eu possa nutrir por você, o afeto que eu nutro pela mulher negra que eu me tornei, “APESAR DE”, vem sempre em primeiro lugar. Quando você é racista, questionando minhas experiências, negando-me a condição de “igual”, sendo sempre e impreterivelmente sujeito universal dessa relação que envolve duas pessoas, mas onde apenas uma delas é relevante. Quando você age assim, é com afeto que te respondo. Porque responder, querida pessoa branca, já é, apesar de toda violência que você é sempre capaz de proferir contra a minha pessoa, a demonstração máxima do meu amor.
No entanto, a sua branquitude hegemônica me coloca sempre na posição de contendora. Você se engana quando pensa que depois de dizer a frase: “eu sei que eu sou uma pessoa branca e que nunca vou saber o que é sofrer racismo”; tudo o que virá a seguir será perdoado pelo fato único de ser uma pessoa branca com boa vontade. Você tem responsabilidade por cada pequena palavra que sai da sua boca e essa nossa relação construída em afetos possíveis não te possibilita o privilégio de falar por mim, não te exime da responsabilidade sobre todo o lixo racista que você pensa e reproduz e, principalmente, não me impede de combater cada arroubo racista que você deixa escapar e de me negar, quando me causar dor.
Querida pessoa branca,
Nossa relação venceu. Passou do prazo de validade, exatamente como eu previ. Naquele dia eu não estava bem. Não estava disponível, não estava inteira e nem disposta a fingir. Naquele dia em você abaixou a guarda, eu também abaixei a minha. Não pude te conter, deixando seu racismo me inundar e me invadir, uma vez mais. Não pude me conter e todo o afeto construído, “APESAR DE”, não chegou a grão de areia frente ao racismo que me afogou e paralisou. Hoje você foi a gota d’agua. Ontem teria sido outra. Amanhã saberemos quem será a próxima.
O seu afeto não foi suficiente, não é? Hoje ele não foi capaz de te conter. Hoje, o que você viu foi aquela negrinha que, “APESAR DE”, você trata com tanto carinho e que, “APESAR DE”, consegue discutir no seu nível. Não foi isso? Eu sei que sim. Nesse jogo em que só você dá as regras, hoje eu recolhi minhas peças e fui embora. Me cansei de perder, mesmo parecendo ganhar. E você ficou lá, querida pessoa branca. Sozinha com suas regras, sem ter com quem brincar.
E então, querida pessoa branca, de repente seu afeto sumiu.
E o que sobrou foi o seu racismo. Sofisticado, porém o mesmo que tem nos matado, a tiro, negligência ou suicídio, há mais de cinco séculos.