Nina Simone disse que é dever do artista mostrar os tempos em que vivemos. Pois bem, estamos em 2015 e os fatos no Brasil são:
- Negros possuem renda per capita menor que brancos;
- As taxas de escolarização para negros são inferiores das taxas para brancos, evidenciando as desvantagens ao acesso à educação;
- As chances de um jovem negro morrer são 3,7 vezes maiores que a de um jovem branco;
- As mulheres negras são as maiores vítimas de violência doméstica;
- As mulheres negras chefes de famílias com até um salário mínimo de rendimento são de 60%, revelando uma escolaridade mais baixa. Já as famílias chefiadas por mulheres que recebem três salários ou mais a presença das mulheres negras reduz para 29%.
Enfim, são cinco dados facilmente encontrados quando pesquisamos sobre a pessoa negra no Brasil e sua situação (literalmente perguntando ao Google), ou seja, há muita coisa ainda para ser debatida e mudada no que diz respeito a nós, e agora conhecer essas problemáticas não é tão complicado assim, já que a internet facilita as buscas.
Então porque esse texto?
O Oscar desse ano foi marcado pela ausência de atores negros nas indicações. Em contrapartida, a produção do evento tentou maquiar a situação racista e chamou inúmeros negros para participarem da festa como “apresentadores” ou cantores. O negro ali teve o papel secundário. Houve um único momento, no discurso do prêmio de melhor canção original para Glory do filme Selma onde nós negros fomos representados. John Legend e Common, disseram:
“Nós sabemos que agora mesmo a luta por liberdade e justiça é real. Nós vivemos no país com mais aprisionamentos do mundo. Há mais homens negros sob o controle corretivo hoje do que sob a escravatura em 1850. Quando as pessoas estão marchando com a nossa canção, nós queremos dizer a vocês que estamos com vocês, que vemos vocês, que amamos vocês. E continuem marchando“.
Então eu fiquei emocionada e me senti representada, mas quero mais! Meu anseio é pra que mais negros tenham voz, que possamos falar como os dois cantores conseguiram e sermos ouvidos, a necessidade da luta pela representatividade em mídias não é só para que possamos nos ver em outros, e tenhamos assim referências estéticas, mas que possamos ver o discurso negro sendo expandido e, naquele momento ele foi. Porém aqui no Brasil quando aquilo vai acontecer?
Quantas vezes não fomos influenciadas pela atitude, forma de vida e estilo de um artista? Muitas, o mercado daqui em relação às “estrelas” ele é bem grande e muito consumido, você consegue saber tudo, porém no que diz respeito a falas políticas em geral, deixam a desejar.
Poucos famosos se ligam à situação carcerária daqui que é bem parecida com a dos EUA. Se a Cláudia morreu, se o Amarildo sumiu, não fazem um post numa rede social, muito menos chamam atenção para isso nos espaços que tem na grande mídia.
Pressupõe-se pela lógica que se queremos destaque para a luta dos negros, temos que ter negros em destaque, só que aqui atores negros são “minorias”, a nossa televisão mostra um país europeu e não um com a maioria negra. Já os cantores não tem tanta visibilidade em relação suas falas e na música dificilmente vemos engajamento, os que possuem um bom discurso e cantam a realidade, ficam em ritmos tidos com “marginais” e esses só ganham espaço se forem embranquecidos e elitizados, ou seja, perdem o questionamento nas letras e ganhasse o lado mais fútil/divertido para assim poder subir no palco do programa do Faustão.
Não posso fingir que tudo é uma grande porcaria, de um lado tem o Erico Brás num programa noturno da rede Globo no auge da campanha “somos todos macacos”, dizendo que não era macaco não, que ele era um ser humano e o povo negro tinha lutado para não ser animalizado. Foi ao vivo e foi talvez a única representação firme naquele momento dentro da Rede Globo. De outro lado, tem um ator da mesma emissora, Marcelo Mello usando seu instagram para espalhar o preconceito com mulheres negras. Não conhecer nossa realidade cria essas situações que reforçam o discurso da branquitude: um homem negro ridicularizando, expondo e ofendendo negras por meio das redes sociais e sendo aplaudindo pelos fãs. Eis que de repente surge a Thalma de Freitas pelo seu twitter mostrando sua indignação pelas atitudes do rapaz e outro dia, na mesma rede a Taís Araújo compartilhando e ajudando a divulgar a notícia das It Girls de Comunidades.
Usar redes sociais é uma saída às entrevistas. Lázaro já mostrou indignação pelos papeis estereotipados que o davam, em contrapartida Sheron Menezes em entrevista disse ser contra cotas, mesmo que sua próxima personagem numa novela tenha sido beneficiada pela ação afirmativa e “vencido” na vida. Tem o Thiaguinho só dando bola fora e a Ellen Oléria só cantando empoderamento. Fico a imaginar quais não são as consequências disso tudo, ai lembro dos vídeos defendendo Sexo e as Negas – que algumas referências para mim fizeram – e perco um pouco a fé na luta.
É confuso e, ao contrário do que se imagina, não escrevo por porque quero puxar a orelha de ninguém e dizer: “Você não me representa, seu colonizado”, acho que temos sim, que partir da premissa que a sociedade ensina negros e não negros a não ver o racismo e que vivemos numa “democracia racial”, porém também não dá pra não dizer que algumas pequenas atitudes que citei de artistas nacionais, repercutem e reforçam um discurso nocivo a outros de nós e que as informações hoje são complicadas de serem obtidas.
No fundo todos precisamos melhorar nossas falas em debates e discussões sobre representatividade, esquecemos que ela tem facetas, ela pode ser negativa ou positiva, pode ser só visual, mas pode ser no discurso também, lembrar que o racismo existe e falar sobre ele parece chato e desnecessário ou causa dor. Entretanto, é preciso.
Os artistas em geral esqueceram ou não se importam mais com a consciência política. Sejam brancos ou negros. Nós negros não somos obrigados a sermos fãs da Angela Davis. Entretanto, NUNCA podemos esquecer que quando um negro tem espaço na mídia, não é uma conquista individual ou mérito pessoal, aliás, todos nós, quando temos sucesso em qualquer área, alguém lá atrás lutou, dando, às vezes, a vida para termos as pequenas escolhas que temos hoje, é a luta de todo um coletivo nunca é só de um indivíduo.
Quantos não vieram antes para a Taís Araújo poder ser protagonista? E quantos virão depois se continuarmos nós e os que têm visibilidade fingindo que está tudo bem?
Como disseram no Oscar: Selma ainda existe.
Aqui quase 400 anos que ainda existem: nas esquinas, nas vielas, nas favelas, nos orfanatos, nas ruas moldando realidades e marcando vidas. Todos nós precisamos falar sobre isso e mostrar o tempo em que vivemos.
Imagem destacada: Ponte Edmund Pettus em 18 de Janeiro January de 2015 em Selma, Alabama. “Somente o amor supera o ódio”.