Para as mulheres que estudam na Universidade, ou mesmo em colégios secundaristas, que somos militantes, ou estamos de alguma forma em contato com esse meio, é muito frequente nos depararmos ou termos no nosso círculo muitos jovens que fazem sua auto propaganda de libertários, sobretudo homens, e que entendem que o relacionamento monogâmico constrange o amor, aprisiona a mulher, que foi submetida historicamente a um relacionamento monogâmico para controle da hereditariedade da riqueza da família, e todos os blábláblás que já sabemos.
Acontece que, manipulando este discurso não nos faltam exemplos de homens ‘libertários’ que, através de sucessivas violências psicológicas, que incluem chantagens, subestimação da condição de militante feminista da companheira ou da sua inteligência, a imposição da sua vontade dentre outras coisa, forçam que mulheres neguem suas próprias vontades e seus próprios processos para agradá-los. Qualquer semelhança com o machismo praticado por homens de ‘direita’ ou de qualquer outro membro da ‘população comum’ não é mera coincidência.
E o que falar dessa imposição dos relacionamentos livres para mulheres negras? Mulheres negras não foram submetidas à monogamia para controle da hereditariedade da riqueza da família porque: Mulheres pretas nunca estiveram em famílias ricas, seus companheiros pretos nunca tiveram riquezas para serem hereditárias, e nunca estiveram também em relacionamentos oficiais com homens brancos ricos, porque eles só as queriam como ainda hoje, para suas fantasias sexuais. Mulheres negras ainda são as “mulatas fogosas” que qualquer homem quer experimentar pelo menos uma vez em sua vida na cama porque, dizem, “rebolam muito”, são as mulheres que só servem para transar, mas dificilmente são assumidas quando homens pretos ganham espaços de prestígio social.
Mulheres negras ainda são as mulheres que os senhores orientam seus filhos a iniciarem sua vida sexual, são as empregadas domésticas. Mulheres negras são as globelezas, mas nunca a Miss Brasil. Mulheres negras são as que mais sofrem com o “aborto” do homem, e por isso chefiam tantas famílias por aí sozinhas. Ninguém quer pôr aliança no dedo de uma mulher preta, então me diga você, qual a novidade desse relacionamento aberto?
Talvez por essa nossa fantasia de não perder a fé na humanidade, acreditamos que muitos não fazem isso por má vontade. Fazem por acreditar de fato que o relacionamento aberto estará dando uma carta de alforria às mulheres negras, neste caso vale uma recomendação: Deixe ela dizer o que ela precisa, o que ela quer. Homens dizendo para nós o que é bom e o que não é, é novidade desde quando? Começou a ser revolucionário em que momento que não vi?
Se a mulher negra tem ciúme, não é por um mero sentimento de posse. Homens que regurgitam ser tão libertários deveriam aprimorar melhor o discurso – vulgo: estudar mais – antes de enfiar garganta a baixo essas teorizações européias, talvez assim convencessem melhor. Se a mulher negra tem ciúme é porque ela não se sente suficiente, se sente feia, se sente menos que seu próprio companheiro, e portanto são inseguras, tímidas, temerosas, e sentem-se sozinhas. As mulheres negras ainda sofrem de solidão, de baixa auto estima, de uma história de vida cheia de sucessivos momentos em que foram rejeitadas, ou mesmo que foram trocadas por mulheres “brancas-queimadas-de-sol-corpinho-de-yoga-camisa-sem-sutiã” por esses mesmos homens libertários.
O ciúme que a mulher preta sente, é um ciúme que deve ser superado para que faça bem a ela própria, superado em seu processo de auto conhecimento, de empoderamento, de amor próprio. Não será superado pela imposição da vontade de um homem.
21 comments
Creio que é um ciúme desligitimado pela ideia de “vc tem discurso libertario e quer controlar” mas não passa da expressão desta gama de questões, de um historico de rejeição que fomenta o “sentir inferior” é um ciume com raizes mais profundas.
Gostei principalmente do fato da autora expor o machismo do homem negro que muitas militantes escondem. O machismo em nada difere do machismo do homem branco.
O que eu vejo é que a maioria dos caras vêem a negra como brinquedo e step e a branca patricinha como um troféu a que ele mostra pra sociedade que é igual ao homem branco, ao em vez de emponderar-se e assumir a negra, asiática ou até uma branca mas de origem periférica. O que eu vejo é a maioria dos negros universitários disputando a tapa as patylenes e detalhe em sua maioria garotas ricas. Só eu acho isso estranho?
Maravilhoso!
Adorei o texto.
Gostei do texto. Mas eu adicionaria que a monogamia, assim como outras formas de se relacionar, podem simplesmente ter um background biológico enorme e ter sido socialmente influenciadas saudavelmente. Ou seja, apesar de que as más relações sociais têm grande influência nos nossos desejos, essa influência não é total e alguém pode, sim, ter certo desejo/tesão/querer particular que não deve ser sempre submetido a sempre a um escrutínio sobre sua “validade” ou “nível” de liberdade. Um relacionamento monogâmico, hetero, entre pessoas da mesma cor não necessariamente é um fruto pobre, mesquinho e podre de uma sociedade viciada. Pode simplesmente ser.
Um colega meu, branco, namora um menina negra. A família dela o olhava, tratava, como se ele fosse um branco que estava querendo fazer algum mal à filha deles etc. Como se analisasse, coitado, a relação real e individual deles sob um ponto de vista teórico e geral, julgando a validade daquele relacionamento. Isso é muito ruim. Deve haver um limite que não sei onde está mas que permite que as relações sentimentais e emocionais sejam naturalmente mais “cegas” à moral e ao conhecimento (de certa forma) como elas se caracterizam por ser.
(Escrevendo esse texto com muito sono, quero ter sido claro, haha)
Como eu não tinha lido seu texto ainda, Gabriela?
Esse papinho de amor livre pra mim?
Sai dessa!
Parabéns!
Nossa, é tudo o que eu sinto e tudo o que eu queria gritar dentro da universidade cheia desses caras hipocritas…
Bruna, gostaria de saber um pouco sobre oq acontece com vc na universidade. Poderia nos explicar? Eu até entendi o texto, mas não compreendi a relação com a universidade Desde já agradeço. Abs
Resistir aos discursos sempre, não aos desejos.
Muito interessante esse viés da herança da escravatura refletida nos relacionamentos afetivos entre pessoas negras, foi enriquecedor pra mim. Somente na questão do ciúme da mulher negra, ao meu ver, não difere em nada do ciúme da mulher branca: são os mesmos anseios e inseguranças.
Difere! A mulher negra sabe que historicamente ela é vista como inferior e cor da pele não muda. Não importa o quanto esta mulher negra é sensacional, não importa o quanto ela se vê sensacional, sempre vai haver quem tente diminuí lá pela cor.
Adorei!
Engraçada essa história de amor livre. Só para ilustrar..Conheci militante do movimento negro que pregou esse discurso com mulheres negras. Hoje, entretanto, encontra-se casado com uma mulher branca e inclusive fez questão de publicar o fato nas redes sociais.O que vejo é muita hipocrisia. O texto foi perfeito em expor o assunto.
uau q texto esclarecedor!
Sacada brilhante da Gabriela Bacelar: amor livre é deixar a mulher escolher sem nenhum constrangimento. A monogamia nesse caso deve ser mantida como opção válida como qualquer outra. Até clubes de Swing tem suas regras de etiqueta nesse sentido: a brincadeira termina quando qualquer um dos dois se sentir desconfortável.
Amor livre pra quem?? Obrigada Gabi, vc falou tudo o que eu senti quando estava em uma relação dessa, machista e abusiva.
Que texto foda!
Que texto incrível!
Infelizmente amor livre pra muitos é a confortável posição de poder pegar geral e só, pois mantém inalterados todos os outros aspectos de uma relação pautada pelo patriarcalismo.
Ótimo texto, foi direto ao ponto.
Texto simplesmente SENSACIONAL!! Obrigada por esse texto fantástico..
Obrigada por sempre falar por mim de forma tão objetiva e transparente. <3