Este discurso é uma construção das formandas Anna Barbara e Alina Freitas. É também o nosso grito no Dia Internacional contra a Discriminação Racial.
Bem, pensei muito em como começar esse discurso, me veio a cabeça o dia em que passei no vestibular. Emoção define! Emoção que tive quando passei, emoção esta que revivo novamente neste momento, e acredito que todas estão sentindo.
E não me fale de meritocracia colega! Enquanto a população negra for mais da metade do país e não ocupar esses espaços privilegiados, vai ter politica de reparação histórica e vai ter cota sim! Vai ter black, vai ter negra em seus laborátórios e nas salas de aula. Vai ter preta fazendo discurso, vai ter preta falando de feminicídio sim! Nossos passos vêm de longe e nós estamos aqui, e resistimos a essa universidade racista, patriarcal, LGBTfóbica e elitista. É tudo nosso e nada deles, e se for deles nois toma de assalto!
Foram 5, se pá 5 e meio , 6 anos só pra não esquecer do RU. Um sonho se iniciava. 5 da manha, acorda, banho, mochila, parada, báu looooootadoooo vindo da Samamba, da CEI, Planaltina, São Sebastião, lá da quebrada Ocidental. Como se já não bastasse um bus, ainda tem o 110, tem a xerox. Você gasta 10, 20, 30. Peraê, 30 reais? Vou ter de ficar sem xerox, tem conta pra pagar!
E o almoço no RU? Quem nunca comeu aquele frango atropelado, uma melancia deliciosa, e aquele suco do Chaves? E a sopinha na hora da janta hein? Quem não foi pra aqueles happy’s hours inesquecíveis com o minhocão lotado, onde você conheceu alguém bacana e curtiu um romance de meia horinha ou até está com essa pessoa até hoje? Quem nunca pulou uma grade do ICC? Seja para ir pro happy hour ou pra ir embora tranquilo?
Aqui não tem massagem, tem que ser função. Se for do noturno, é acordar cedo e dormir tarde. É chegar do trampo descer no meio do nada, pra ter aula no BAES. Iluminação? Pra que? Pra quem? aqui eles preferem expandir a universidade e fazer prédios no meio do breu. Diurno sofre também! é aula de manhã, é a tarde, uma bagunça do matricula web, casa, familia, Unb, ufa!
E ser for aluno da Assistência?Vai escorrer uma lagrima pra gente. Os desafios foram dobrados,fi! Várias ocupações no Cassis e na reitoria, contra os cortes na assistência, contra o desrespeito as terceirizadas, que tem a sua força de trabalho explorada, contra as demissões do RU. O movimento estudantil também resistiu e resiste a uma reitoria e um DCE conservadores, que não nos representam.
Vem chegando o fim, o TCC, pânico, lágrimas metodologicas. Dormir na paz de Jah nunca mais. Dormir? Nunca precisou! É ABNT, citação, nota de rodapé, é tema que não deu certo, é professor que não te orienta. E vai, termina. Opa, ainda tem a apresentação, a mão soa, treme, respira fundo, banca, slide. Treta mano, fita mano.
Durante a graduação nós mulheres percebemos que também não podíamos nos sentir seguras dentro do campus, quando algumas das nossas foram estupradas, foram assediadas e perseguidas. Quando foram acusadas enquanto são vitimas de um sistema machista e misógino. Onde esses estupradores continuam estudando, alguns fazendo seus mestrados e daqui a pouco indo pro doutorado, se vocês continuarem fingindo que nada disso aconteceu.
Hei, ficou sabendo da menina que morreu? Me vem um choque! O ex- namorado dela que matou, dentro do campus. Não ficaremos caladas enquanto uma de nós for assassinada dentro de uma instituição de ensino. Não silenciaremos enquanto uma de nós sofrer qualquer tipo de violência. Seja pelo seu gênero, sua raça e sua orientação sexual. Não queremos PM no campus, porque ela só será mais um instrumento pra legitimar a violência que já sofremos cotidianamente. Nós queremos que vocês professores discutam raça e gênero em sala de aula, queremos que ensinem os homens a respeitar e não as mulheres a temerem.
Como profissionais nós lutaremos na construção de uma nova ordem societária, que seja mais justa, igualitária, democrática e garantidora de direitos universais.
Os pensadores brancos nos dizem: penso, logo existo. Mas a mãe negra que levamos conosco nos sussurra em nossos sonhos: Sinto, logo posso ser livre. Nós sonhamos em ser livres, sonhamos em um mundo onde não existam mais mortes como as de Claúdia, Jandira, Louise e Jane. E mesmo no meio de tanta opressão sabemos que juntas somos mais fortes! Irmãs é por isto que existe feminismo, eu não quero ver mais nenhuma mulher morrer só pelo fato de ser mulher, eu não quero mais FEMINICÍDIO!
Eu vim da selva, eu sou leoa, sou demais para seu quintal! Hoje, no dia da colação, aquela emoção toma conta de todas. Estar aqui é um ato de resistência, resistimos quando falaram que não íamos conseguir. Aqui estamos, de beca e canudo na mão. Foram dias de luta, e agora dias de glória.
Hoje eu quero tim tim, um brinde pra nóis! Este hoje não é o fim, e sim o começo de uma nova caminhada como profissionais. Parabéns as formandas e até logo UnB, que essa despedida represente um eterno reencontro.
É necessário sempre acreditar que um sonho é possível, que o céu é o limite e você truta imbatível.