Nesse mês de maio, desde capas de revista masculina de grande circulação, a pseudo editoriais de moda e entrevistas para noticiários, vemos aqui e acolá uma expressão de presença negra na mídia. E enquanto algumas pequenas ações da mídia celebram a nossa libertação, movimentos negros pelo Brasil afora erguem mais uma vez a sua voz para dizer que 13 de maio não é dia de negro, não é uma data que desejamos celebrar.
Com esse posicionamento atraem para si a fala (e a ira) de todas aquelas privilegiadas pessoas que afirmam indignadas que o movimento negro está querendo polemizar, que se trata de fazer mi mi mi, e que desocupadas que somos, queremos criar uma questão que não existe.
Enquanto acompanhava e contribuía com diversas expressões da problematização do 13 de maio, em meio às ações de sensibilização e denúncia, escutei presente em todos os comentários, posts de resposta e entrevistas na televisão uma voz que se dirigindo às mulheres negras repetia incansável: “elas têm uma insistência nessa questão racial…” e eu então me perguntei, porque será que insisto tanto na questão racial?
Insiste na questão racial quem desde o dia que nasce é alvo de brincadeiras humilhantes e vexatórias que transformam a forma de seu nariz, da sua boca e de seu cabelo em piada.
Insiste na questão racial quem tem seu tom de pele transformado numa maldição e em representação de feiúra e estorvo.
Insiste na questão racial quem sai com medo de ser abordado pela polícia, porque existe sobre si a certeza da culpa.
Insiste na questão racial quem aprende na escola que seu lugar na memória é o de escravo.
Insiste na questão racial quem pelo menos uma vez na infância não quis ir na festa da escola porque não havia coleguinha que quisesse ser seu par na hora da dança;
Insiste na questão racial quem está na fila da lanchonete, e ainda que pagando como todas as outras pessoas presentes, recebe o lanche frio porque não há pressa em lhe atender, já que ocupa no imaginário social um lugar de subalternidade.
Insiste na questão racial quem perde vagas de emprego porque seu cabelo e seu tom de pele são lidos como pontos que não lhe conferem boa aparência (ainda que não seja dito).
Insiste na questão racial quem perde seus filhos e filhas todos os dias e passa a considerar um jovem negro de 25 anos um sobrevivente.
Insiste na questão racial quem sabe que insistindo somos mortos e se nos calarmos, seremos dizimados.
Insistir na questão racial, não é uma opção. E diria que não insistimos na questão racial, na realidade Resistimos apesar da “questão racial”. Visibilizar o que vivenciamos dia a dia, exigir o respeito inerente a cada pessoa negra, é uma condição para nossa existência, ou seremos mortas e mortos em silêncio.
O incômodo com a temática deve ser problematizado. Porquê incomoda tanto ouvir falar sobre racismo? Possivelmente porque balança posições secularmente ocupadas. Desequilibra o jogo, porque denúncia as regras perversas que o regem e apontam que o tamanho de nossa crescente reação.
Enquanto mulheres negras temos a propriedade de nossas vidas e decidimos viver, esse é o significado da chamada insistência na questão racial. E não iniciamos hoje. Resistimos desde sempre, ou não teríamos sobrevivido. No 13 de maio, mandamos mais uma vez a mensagem de que não aceitamos ser mortas física ou simbolicamente, e assim como nossas ancestrais resistiremos. E insistimos… dizemos 13 de maio não é dia de negro.
Imagem destacada: Black Beautiful fanpage