Desde sempre os homens e a sociedade taxam as mulheres, nos colocam rótulos, nos determinam papeis e lugares. De solteironas e lobas, nos medem de acordo com nossa idade e formas de encarar a vida. Balzac nos brindou com as suas belas mulheres de trinta, modelo de mulher que alguns homens ainda consideram como ideal. Como se nos moldássemos, historicamente, esperando o aval deles.
As mulheres de quarenta estão em outro patamar e hoje é nítido que o estereótipo de inicio de velhice, nessa fase, vem caindo por terra. Os cabelos grisalhos estão sendo assumidos como belos e as rugas deixaram de ser um problema assustador. Muitas ostentam as marcas da maturidade que, ate bem pouco tempo, denunciavam a idade não desejada.
Aos quarenta, há quem diga que chegamos a “idade da loba”, comumente conhecido como período em que já superamos vários mitos e barreiras e vivemos de forma mais intensa a vida. Fugindo de ditames sociais e dos desmandos machistas. Se analisarmos mais a respeito desse termo, vamos ver que toda mulher de quarenta é um pouco feminista, mesmo que não saiba.
Quando chegamos nessa fase já fizemos muitos balanços de nossas vidas, contabilizamos nossas vitórias e derrotas. Olhar para o futuro pode ser algo vinculado ao comodismo da situação em que cada uma se encontra ou, da mesma forma, de inconformismo com tudo que deixou de fazer por obrigações que estavam acima de seu poder de decisão individual.
Se a vida se resume nas escolhas que travamos no decorrer do tempo, quando chegamos aos quarenta, o resultado dessas escolhas saltam aos olhos e, por inúmeras vezes, não ficamos satisfeitas. Pode acontecer de termos nos dedicado a um trabalho estafante e sem realização, de nos ter faltado tempo para estudos e formações antes planejadas, de termos priorizado família antes das realizações pessoais.
Mas o que vem de bom com a idade é que certas prioridades deixaram de existir, muitas já estão com seus filhos encaminhados, já superaram a história do amor romântico e não esperam mais por nenhum príncipe encantado, ou seja, sabe que sua felicidade só depende de si mesma.
Aos quarenta me dei conta que nunca abri mão de meus sonhos, apenas engavetei e fui realizando aos poucos. Hoje a gaveta continua lotada, pois os sonhos são substituídos à medida que se concretizam. Como mulher negra que só entrou na universidade depois dos trinta e com dois filhos para criar sozinha, passei pela fase de Balzac sem perceber. Minhas escolhas me trouxeram onde estou hoje, agora é tempo de sonhar.
As dificuldades ainda existem é bem verdade, mas quero ver meus filhos formados e fazendo o que gostam e isso, pra mim, é sonhar. Desejo desenvolver projetos de educação inclusiva para estudantes negros e periféricos, assim como eu fui, e realizar sonhos de uma formação acadêmica para muitos que estão engavetando esse desejo devido à desigualdade social. Sonho sim, pelos outros.
Meus planos individuais podem ser considerados básicos para a maioria das pessoas, quero uma casa própria com jardim e espaço para meus bichos. Uma prateleira cheia de livros, pois sem eles não sou completa. Mas tem aqueles que podem ser fúteis para alguns, o de viajar muito ainda, conhecer lugares históricos, rodar as estradas de moto sem tempo de chegada, apenas de partida. Essas coisas de “gente sem juízo”!
Minhas realizações pessoais são poucas, mas levando em consideração minha origem e nossas lutas, sei que estou ocupando um espaço que não me foi destinado pela sociedade cheguei, ocupei e resisto todos os dias. Mas mesmo assim, sei que estou num lugar privilegiado em que muitas ainda não conseguiram chegar.
Dessa forma, minha escrita já inspirada em Conceição Evaristo, se consolida no desejo de compartilhar vivências e fomentar sonhos. Pois não tive tempo de ser balzaqueana, mas hoje estou na idade de muitas realizações. Se aos trinta eu tinha muitos planos, desejos e pressa, agora que passei um pouco dos quarenta eu tenho maturidade, sabedoria e sonhos. Se a vida é feita de escolhas, minha escolha e continuar sonhando.
Imagem destacada: Ernestine Shepherd, fisiculturista.