Legenda: Decerto viajei outras fotografias muito mais felizes.
Digamos que entrar numa cidade (des)conhecida pela buceta pode ser muito desvirginal para qualquer uma. Que lufada embaraçosa! Não que eu seja totalmente contra constrangimentos, alguns até me parecem bem medicinais, mas é que me encharcaram de afrodisíaco. Além disso, a boa e velha discrição há muito me abandonou (embora eu nem conte com ela normalmente); mas experimente caminhar pelas ruas como uma árvore de copa frondosa, ramos, troncos e raízes fortes, que facilmente te pintam de exótica. É… Meu corpo, minhas regras é luta de todos os segundos. Mas explicar isso pra macho é tão fácil quanto respirar debaixo d`água quando se está afogando. E o asfalto está cheio de besta querendo comer a carne da gente. Alguns até se acham refinados, com caras de gato de plástico colorido que defendem privilégios com a elegância de quem caminha na orla acompanhando um leão. E quando não querem se sujar de merda, sempre podem contar com os sicários. Tentando conhecer a Praça do Poder, fui ameaçada por um cão atrevido. De pronto apareceu um monte de policia com pau de borracha amolecida. O truque é rasteiro: O cachorro finge que é perigoso e a polícia finge que protege, mas só quer tirar nacos de nós. E eu ouvi o cão latir pros milicos que tinha feito conforme o combinado, enquanto se davam as patas. Tem vezes que até o vento está de sacanagem descortinando a saia da gente! A polícia insiste, já que é costume da onda bater na rocha: “Está vendo, é perigoso. Se as unhas dos pés cravam o asfalto, as das mãos arranham nossos bolsos”. Mas o que vi foi uma senhora negra mirando o espelho do shopping dramadrasticamente se perguntando: “Qual é a maior injustiça no mundo?” Se beleza negra é cartão postal da cidade, estampa também um sorriso cariado, a garapa com sangue, o futebol com pelota de ferro quente, o afago do espinho ou as correntes que dançam nos pés. A catinga de assédio estava ensurdecera. Entrei numa igreja para desnudar-me dos desconfortos mas uma beata me expulsou de lá. Daí dou de cara com a Súcia, a gata preta que caga nas regras e bebe água com canudo de bambú. É que um bom trago de coragem pra enfrentar o machismo sempre cai bem. Ah… Uma coisinha: eu não condeno os homens completamente. Mas é que gosto de chupar uma boa, grande e suculenta laranja madura até o bagaço. E quando a sabedoria usa cueca, eu respeito, ainda que por vezes tenha um bafo cinza de cigarro. Mas também não tenho estômago pra aqueles que mesmo tendo dois ou três olhos esquerdos, são tão necessários quanto café queimando a língua e que até à falência do falo repetem: “Não vai por aí, vá por aqui. De que mundo você veio?” Encarei o fio amarelo de palavras apodrecidas escorrendo nas barbas e falei: “Adivinha?!” Olhos viperinos lampejaram. E assim se foi meu último centavo de paciência. Lambi meu dedo médio, respirei profundamente e arrotei um incêndio neles. E imediatamente as motos me rondaram. Tremi, tremendo era o rosnado. Mas ao tirarem os capacetes, amazonas com imponentes coturnos me chamaram para o topo da ladeira rumo à proteção da floresta. O ronco dos motores levantou poeira e despertou a cigana que adormecia nas crateras da lua. Gigante, vestido azul com calda de mar, cabelo florido, olhos de farol e faro de anzol, ela encontra a força no peito de toda mulher. E assim, emergimos como cardumes, saimos dos bueiros e ressuscitamos o coração da Praça. Bailamos à resistência e nos trançamos numa rede tão grande e poderosa quanto a crina da égua que me trouxe a galope pela cordilheira. E assim deixamos um rastro infinito de arco-íris, porque afinal de contas, pavão também voa.
Imagem – reprodução web