Séculos passaram e pouco foi escrito sobre nós. Atravessamos o Atlântico já sendo inominável. Para que o registro se não é humana? Não vale o nome próprio porque não se tornará mais dona de si. Corpo amarrado dentro de um navio negreiro. Mordaça para lembrar que a oralidade é uma munição em perigo.
Falar custa caro. Exige coragem para denunciar seus algozes e olhar nos mesmos olhos de quem te comia no quarto da empregada ou na luz apagada do carro.
Só mudou os números. A usurpação do que somos aconteceu de hoje para ontem. Foi de um estupro que eu nasci e as minhas vieram. Não houve eu te amo – guarde essa preciosidade se algum dia alguém ousar pronunciar essa frase branca, burguesa, europeia.
Talvez eu atravesse mares agitados e nunca encontre a minha nação, meu ponto de origem. É que elus vagueiam mar afora entre outros jeitos de captura do meu povo. Será que foram peges pelo camburão? Será que estão na prisão? Ou morreram asfixiades por um policial?
Me vejo morta nos noticiários, nas capas de jornais que não dizem meu nome, mas a ação: roubou, matou, morreu. Não levarei o título de escritora porque resido na rua marginal do bairro final de linha.
Dizem que estamos mortas, mas esquecem que de onde viemos o culto a morte gera vida. Morrer para renascer. Ancestralizar para resistir. Por isso que resistência é valor de búzio que confirma ou não nossos caminhos de existir.
Não diga que estamos mortas, pois ainda somos palavra Resistência.