Por Mara Gomes para as Blogueiras Negras
O preconceito racial atinge o negro intensamente, causando uma dor que só quem sente pode realmente dizer a proporção dos danos causados dentro de si. Imagine um trauma de infância que te persegue sempre e que não tem cura. Como se você saísse na rua em estado de alerta constante porque saberia que iria encontrar ele e teria que lidar com o problema do mesmo jeito de sempre. Só que é uma luta tão cotidiana que parece ser em vão, parece que nada vai mudar e você sai de cada batalha sempre ferido, com uma dor amortecida e um cansaço irreversível.
Pra quem não é negro eu posso tentar explicar o que se sente com o racismo de um modo mais fácil. Todos têm seus traumas, não é? Acredito que sim, mesmo que você nunca tenha parado pra pensar a respeito existe sempre alguma ferida que não gostamos de tocar, algum medo que sempre se esconde, ou aquele assunto do qual não gostamos de falar porque ficamos extremamente vulneráveis quando falamos.
Lembre-se dessa “dorzinha” incômoda, na maioria das vezes você pode fugir dela porque não são em todos os lugares do mundo que os estímulos para alertar essa dor estão inseridos. Você consegue fugir, alguns conseguem bem mais fácil que outros, mas existe um escape, não é? O Racismo é a mesma coisa é esse trauma, essa ferida, mas ela nunca some, ela não tem escape, não podemos fugir porque está em todo o lugar. O racismo é institucional e está incluso em todas as relações que existem dentro da nossa sociedade e ele nunca some e também, infelizmente, nunca é superado.
Cécile Kyenge é o nosso mais presente caso de racismo nessas últimas semanas, a africana de 49 anos, que é atualmente a primeira mulher negra a ocupar o cargo de ministra na Itália, vem sofrendo diversas represálias racistas de direitistas ignorantes. Cécile é formada em medicina e sempre defendeu a melhoria das condições de vida dos imigrantes na Itália. Na última semana ela deu seu relato, disse que não vai recuar e que pensa em suas duas filhas, tem medo que os ataques que esta recebendo as afete. Pensa também nos imigrantes fala que eles não têm a mesma garantia de segurança que ela tem para lidar com o racismo, eles sofrem ataques constantemente na Itália, todos os dias.
Com toda a certeza ela deve estar ferida por essas constantes afrontas que recebe de reacionários e preconceituosos diariamente. Primeiro a compararam a um orangotango, agora lhe atiram bananas interrompendo seu discurso. Obviamente eles não sabem admirar a sua capacidade, ou melhor, nem enxergam a sua capacidade, pois o que importa é a cor e essa cor incomoda, machuca e os tira do sério; e diga-se de passagem, ela é mulher, isso incomoda o tanto quanto.
O mundo está despreparado ainda e não sabe valorizar a capacidade intelectual de um negro, não importa o cargo que ele ocupe. Imagina então a capacidade de uma mulher negra! Apague da sua cabeça esse falso conceito de democracia racial, ele não existe, nem no Brasil, nem em nenhum outro lugar do mundo. O monstro chamado racismo vem e volta e se esconde no armário, em baixo da cama, no discurso do presidente, na faculdade e na novelinha das nove.
Ele está sempre por aí e precisamos estar em constante estado de alerta. Não é surpreendente saber que isso cansa, não é? Por isso os negros registram maiores índices de depressão e baixos índices de bem-estar psicológico e autoestima, também maior exposição ao estresse crônico. O Racismo mata, não só com armas de fogo, mas também com palavras, com preconceito velado.
Cécile vem nos mostrar de novo que o racismo não está escondido, olhe para o lado! Ele está bem aí! Como bell hooks costumava afirmar, normalmente, quando as pessoas falam sobre a “força” das mulheres negras estão se referindo à maneira pela qual percebem as mulheres negras lidando com opressão. Mas elas ignoram a realidade que é: ser forte em frente à opressão não é o mesmo que superar a opressão. A nossa resistência, como mulheres negras, não deve ser confundida com a transformação.
Somos todas Cécile Kyenge, sentimos a sua resistência a apoiamos com toda a nossa força e compartilhamos da sua dor. Até que o racismo seja enfim superado no mundo inteiro a luta dessa mulher negra deve ser a nossa luta, até que o monstro durma e nunca mais acorde. Porém ele não pode ficar escondido no armário, ele tem sim que sair pra fora e ser enfrentado, o fim dele será quando morrer em batalha. Por isso não devemos descansar até que ele desapareça por completo.
Bibliografia:
FARO, André; PEREIRA, Marcos Emanoel. Raça, racismo e saúde: a desigualdade social da distribuição do estresse. Estud. psicol. (Natal), Natal, v. 16, n. 3, Dec. 2011 . Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.phpscript=sci_arttext&pid=S1413294X2011000300009&lng=en&nrm=iso.
Acesso em: 28 Julho de 2013.
Mara Gomes administra a página A mulher negra e o Feminismo.
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