Por Juliana Gonçalves para as Blogueiras Negras
Foi com essa frase que Ericka Huggins encerrou a sua apresentação na PUC de São Paulo, no último dia 18 de setembro. A ex-líder do partido negro revolucionário estadunidense, originalmente chamado de Partido Panteras Negras para Autodefesa, falou por duas horas e meia em um auditório lotado por estudantes, ativistas dos mais diversos movimentos sociais com predominância de negros e negras.
Quem esperava encontrar uma mulher endurecida pela dor, perdas e perseguições sofridas durante os 14 anos que viveu como membro do Panteras Negras, se surpreendeu ao encarar uma mulher doce com um discurso que atrelava a palavra amor à luta.
Por duas semanas a ativista visitou o Brasil. Ministrou palestras em universidades de São Paulo (SP) e de Londrina (PR) e contava à juventude presente como aos 18 anos se tornou líder do Partido Panteras Negras em Los Angeles. Falou sobre um tempo de guerra, solidariedade e resiliência.
No Brasil, conheceu comunidades, movimentos sociais e histórias de brasileiros pobres, pretos e periféricos que, semelhante ao que ainda ocorre em solo estadunidense, sofrem e lutam por conta da privação de direitos básicos.
A ativista citou o Movimento Mães de Maio por várias vezes como símbolo de resistência coletiva perante a tragédia cotidiana marcada pela morte de jovens negros em ações policiais. Lembrou também o assassinato da yalorixá Yá Makumby (Vilma Santos de Oliveira), militante do movimento negro em Londrina.
O discurso de Ericka foi permeado por conselhos aos jovens – “se você é ativista, comece a mudança cuidando de você ao mesmo tempo em que cuida do outros, caso contrário você pode ‘quebrar’ e não será útil a ninguém” – e afirmações que silenciavam a plateia. Como quando, afetuosa, agradeceu a bandeira estendida em solidariedade a Mumia Abu-Jamal, porém, disparou firme: “Lutem também pela libertação do povo que está preso aqui e agora no Brasil”.
“O que é pessoal é político”
Ericka iniciou a sua fala pela infância, e contou como entendeu que era uma menina negra ainda criança quando questionou sua mãe sobre o porquê levava cuspidas de outras crianças tão pobres quanto ela.
O Panteras Negras (P.N.) surgiu em 1966, fundado por Huey Newton e Bobby Seale. Um ano depois, Ericka e seu companheiro, John Huggins, integraram o grupo. Foram anos liderando e participando de ações do partido que chegou a ter 40 escritórios espalhados nos EUA e presença confirmada em quatro continentes do mundo.
A imagem do Panteras Negras como um símbolo da luta negra armada era apenas a faceta mais explorada do grupo. Eles tinham também um amplo e consistente trabalho voltado às comunidades pobres por meio de programas sociais. “O povo nos amava porque éramos disciplinados e focados e nós amávamos o povo”, afirmou.
Entre as iniciativas do partido, destacam-se a alimentação dada às crianças antes delas irem à escola; as clínicas médicas voltadas aos negros, pobres e latinos; o serviço gratuito de ônibus que levava os parentes dos presos até as prisões; a pesquisa e orientação sobre a anemia falciforme, doença com maior incidência na população negra; e, principalmente, as escolas comunitárias com currículo escolar específico e tratamento humanizado. Por 8 anos, Ericka foi diretora da Escola Comunitária de Oakland.
Os Panteras Negras acreditavam que a morte de um garoto negro assassinado pela polícia, a falta de uma educação gratuita, a não existência de tratamentos públicos de saúde, o desemprego, até o transtorno causado por um semáforo quebrado, constituíam-se em violências cotidianas e, principalmente, em problemas políticos. O mote “o que é pessoal é politico” foi muito utilizado pelo partido, assim como “todo o poder ao povo”.
Sobre a luta armada, Ericka explicou o contexto da urgente necessidade de autodefesa. “Nós vivemos a guerra”, afirmou.
As ações do P.N. chamaram a atenção do FBI (Federal Bureau of Investigation) que os considerou a maior ameaça à segurança nacional daquela época. Em um único ano (1972), 28 integrantes foram mortos, entre eles o marido de Ericka.
“Promover mudanças exige sacrifícios, dor e até a morte; nós sabíamos e enfrentamos isso”, disse. Na época, Ericka tinha acabado de dar à luz uma menina. Após três meses da morte de John, foi acusada por conspiração e separada de sua filha pelo encarceramento. Na prisão, esperou ser julgada por dois anos. Houve grande comoção popular em prol da sua libertação e as acusações foram retiradas.
A ação violenta do FBI conseguiu extinguir o Partido dos Panteras Negras em 1982. Exatos 31 anos depois, Ericka responde uma das últimas pergunta da noite sobre onde estão os integrantes remanescentes. “Muitos sofrem de estresse pós-traumático, outros estão na prisão como Mumia Abu-Jamal ou exilados como Assata Shakur“, contou. Há também professores e professoras universitárias como Angela Davis e a própria Ericka, que viajam o mundo falando sobre resistência, solidariedade, ação, luta e amor.