Por Charô Nunes para as Blogueiras Negras
Qual a perspectiva que o negro ia ter se não fosse bailarino. Lavadeira, empregada doméstica, esses lugares sociais que a sociedade colocava. Então abriu um porta, um mercado de trabalho.
Nelson Lima, antropólogo, sociólogo no documentário Balé de Pé no Chão
Gostaria de perguntar se você imagina qual é a probabilidade de existir uma bailarina negra numa novela global? Nesse momento a (ex) coreógrafa chamada Nicole, interpretada por Cinara Leal, está no ar. Faço votos para que não seja uma atuação secundária. Que ela seja mostrada nos palcos, ensaiando, ensinando seus alunos em sua academia, talvez assistindo algum mestre. Como não vejo novela, adoraria que você me contasse melhor quem é essa personagem.
O que eu sei é que 102 mulheres em Sangue Bom, Flor do Caribe e Amor à Vida. Basicamente 93% delas são brancas, número que sugere a novela como ferramenta estratégica na construção e manutenção da supremacia branca. Nesse cenário apenas 8 atrizes afrodescendentes, perfazendo 4 domésticas ao todo. Um número que multiplica em mais de duas vezes a porcentagem de serviçais negras que existem no país segundo dado de 2011.
Entre atrizes brancas, 99% delas não são domésticas. Se existissem 50 empregadas brancas representadas, poderíamos dizer que a novela não dispensa tratamento diferenciado à mulher negra. E nesse momento estamos falando de uma aproximação simplesmente quantitativa. E as bailarinas negras? Bem temos Cinara Leal representando a coreógrafa Nicole cuja atuação espero não ser secundária, que me contem as noveleiras.
Assim quando pintou uma negra no corpo de baile do Municipal, chama atenção né.
Que lá não existia, tava sempre brigando publicamente e lá na instituição por causa dessa estória, dessa falha louca num país de negros no corpo de baile não tinha nenhuma bailarina negra. E fiquei envenenando a Mercedes para ela começar a enfrentar essa estória de mulher negra no meio de todo mundo branco.
Abdias do Nascimento sobre Mercedes Baptista no documentário Balé de Pé no Chão
Perguntando onde estão nossas bailarinas, encontrei um time admirável de profissionais em Balé de Pé no Chão, A Dança Afro de Mercedes Baptista , documentário sobre Mercedes Baptista. Ela foi a primeira negra a integrar o corpo de baile do Municipal no Rio de Janeiro em 1948, estruturou a dança afro brasileira. A pergunta que fica é porque essas profissionais não estão representadas na mídia tradicional, mesmo em parte da independente. Porque nossa dança aparece apenas uma vez por ano na tela da televisão.
Penso em Amarildo, cujo paradeiro é desconhecido após ter sido levado para averiguação pela PMERJ. Ele que denuncia o perigo histórico de sermos nada mais que um recurso barato, renovável, descartável para que a supremacia brasileira branca funcione perfeitamente bem. Desaparecemos concreta e imageticamente do sistema de televisão aberta. Desconfio que o mesmo é válido se pensarmos na televisão paga que a cada dia privilegia mais e mais a reprise ininterrupta 48 horas por dia.
É dessa maneira que os produtos culturais da supremacia branca podem ser consumidos tranquila e acriticamente, dificultando ao máximo que negras e negros sejam representados satisfatoriamente. Bailarinas, ativistas, cientistas, políticas, escritoras, todas precisam não existir para que o futuro de nossas crianças também seja ameaçado. Para que sempre haja um exército de criaturas descartáveis à disposição. Daí a importância de nós negros sejamos mostrados como corpos que dançam apenas uma vez por ano.
Pra mim a dança afro é uma expressão do negro em si querendo libertar o corpo tem termos de revolta.
Rita Rios, cantora e bailarina no documentário Balé de Pé no Chão
Mas não há de ser nada. Não estão nas novelas, mas seguimos mudando o mundo. O nosso mundo.

Olá, meu nome é Charô, escrevo sobre arte, cultura e sociedade.
Acompanhe nossas atividades, participe de nossas discussões e escreva com a gente.
Rss • Grupo de discussão • Página no facebook • Twitter • Gplus • Email
10 comments
Charô,
Agora volto para me corrigir. Pode-se usar o termo supremacia como vc empregou sim. Ele é usado como sinônimo da hegemonia. Eu continuo vendo uma “sutil” diferença, mas deve ser chatice de estudante de Letras.
Segundo abraço 🙂
Aline Djokic, na verdade a gente deveria cortar de vez essas novelas da globo, é tanta coisa ruim. Exemplo, repare como os pobres são tratados nestas novelas.
A globo só pode ter recebido muito dinheiro do governo, pois ela pega em todo buraco até as vezes sem antena. Isso facilita no controle da população, as outras emissoras tem mais problemas de sinal. Tem até denuncias rolando no face sobre sonegação de impostos desta emissora e que o governo não faz nada.
Aline,
eu acho que devemos sempre estar de olho no que mostra a tv, gostamos do que ela transmita ou não. Exatamente por causa do que vc comentou, porque também é usada como formadora de opnião. Porém, também é necessário saber analisar o que está sendo transmitido e como a tv, filmes funcionam. É isso o que eu gostaria, que as pessoas aprendessem a decifrar os códigos com que a mídia trabalha, para assim não acreditarem em tudo o que eles mostram. E outra coisa importante, como eu poderia questionar como eles nos retratam, sem acompanhar um pouco o que eles fazem? A gente vê, e eles fazem da nossa imagem gato e sapato, imagina se não olhassemos?
Charô,
Posso fazer uma pequena observação? Você fala da “supremacia branca” qdo na verdade refere-se aos seus defensores. Parece um detalhe sem importância, mas você sabe que tratando-se de racismo, nada é irrelevante.
Eu vou contar um pouco como eu assisto televisão. Eu não moro no Brasil, assisto muito pouco tv e qdo assisto, são séries, que eu geralmente empresto na biblioteca daqui. Mas vira e mexe eu acabo assistindo algumas novelinhas da Globo na internet. Isso tb faz parte da minha interação com o Brasil, como ex-patriada. E porque eu cresci com novelas, acho a estrutura fácil do folhetim ótima qdo “só” quero me distrair. Além de estudar literatura e esse tipo de mídia tb ser analisado no estudo.
Mas vamos à minha estratégia como telespectadora. Eu simplesmente não assisto novela que não se esforçam o mínimo em me representar. Sendo assim, na novela os únicos atores negros interpretam empregadas? Não assisto! Na série, o único negro é o bandido? Não assisto! Essa espécie de resitência me traz um conforto imenso. E a certeza de estar de alguma maneira quebrando o sistema de negação do negro.
A verdade é que eu tenho a possibilidade de escolha, mas e a parte da população pobre, cujo único acesso à cultura se dá através do consumo de telenovelas e séries televisivas?
Ainda assim, e se nós todas nós começassemos a agir dessa maneira?…
Olá Aline, obrigada por seus comentários. Quando falo supremacia branca me refiro a um sistema de coisas, tendo em vista o âmbito midiático nesse caso. Novela, comercial de xampu, de margarina, revista. Tracei a mesma estratégia que você, não consumo e ponto. Imagino que seria lindo se o público me geral fizesse o mesmo. ABraço.
Oi Charô,
eu só comenteu uma vez, os outros comentários são de outra Aline. Vou escrever meu nome completo para não confundir. Agora entendi o que vc quis dizer, mas nesse caso (se vc me permite uma correção), o termo mais correto seria “hegemonia branca”. Assim vc dá a informação de que as minorias são oprimidas por esse grupo, mas que vc não reconhece como legítimo o discurso de “supremacia” deles. Se usamos somente o termo “supremacia branca”, isso pode ser entendido como um reconhecimento da legitimidade do termo. Isso tornaria a luta contra a opressão desse grupo, “apenas” a luta contra algo de que não se gosta, e não contra uma ideologia falsa.
Um abraço também.
Queria saber, qual você acha que é a porcentagem real de negros e pardos no Brasil?
Adoto os dados do censo de 2010, negros e pardos como maioria. Abs.
Engraçado(sic), nos EUA dizem alguns dados que são 12 % de negros e você vê tanta diferença em se tratando de dança. Eu assisto o So you think you can dance, o melhor dançarino que vi dançar foi o Russell Ferguson, inclusive ganhou a temporada. Não sei porque essa resistência em colocar negros na tv, nos filmes. Só pode ser racismo, porque você assiste programas como Eu a patroa e as crianças ou Um maluco no pedaço e são ótimos e “não me importa ” se são negros.
Gostaria de saber sua opinião sobre
Defendo que mais negras e negros estejam na mídia. Obrigada por comentar.