A Universidade Estadual de Campinas surge em 1966, na ditadura militar, com a clara função de ser polo de pesquisa, ciência e tecnologia no Brasil. Em pouco tempo, ela se transforma em referência e hoje está classificada como a segunda melhor da América Latina – atrás apenas da USP. A UNICAMP está no estado mais rico do Brasil e conta com 34.652 alunos matriculados em 66 cursos de graduação e 153 programas de pós-graduação oferecidos nos campi de Campinas, Piracicaba e Limeira. A universidade tem em sua lista de ex-alunos Dilma Roussef, Aloisio Mercadante, Alexandre Padilha, Paulo Renato Souza e movimentou cerca de 3 bilhões de reais no ano de 2016, só de verbas públicas.
Nas mesmas terras que existe a UNICAMP também aconteceram alguns dos episódios mais terríveis da história da escravidão no Brasil. “Você vai para Campinas”. Esta era uma frase aterrorizante para um negro brasileiro no século XIX. Ser enviado para Campinas era sinônimo de castigo. Se os escravizados viviam mal, em Campinas eles viviam pior. A cidade era conhecida nacionalmente pela violência utilizada pelos senhores de engenho contra os escravizados. Os estupros de escravizadas eram algo comum. Também existem registros sobre a Lei do Ventre Livre e dos Sexagenários não terem efeito na cidade. Além disso, no último país a abolir a escravidão com fins comerciais no mundo, o Brasil, a cidade de Campinas, foi a última cidade onde isso aconteceu. Ou seja, a história desta cidade é marcada pelo trabalho e morte do povo negro.
Entretanto, diante de tanta riqueza e contradição produzida em Campinas particularmente na UNICAMP, a primeira vez que a universidade se volta para a discussão sobre a inserção do povo negro é no último ano. O que demonstra o conservadorismo não só da UNICAMP, mas da cidade de Campinas e do estado de São Paulo. Enquanto nas universidades federais a adoção de cotas é lei, no estado de São Paulo esta discussão nem foi colocada em pauta. O debate se colocou apenas diante da greve estudantil deflagrada em 2016, quando o movimento negro – organizado no Núcleo de Consciência Negra e na Frente Pró Cotas – coloca no centro das negociações as cotas raciais. A consequência desta mobilização é que no próximo dia 30 de maio será votada a proposta de implementação de cotas raciais na graduação na universidade.
Colocar em pauta a discussão das cotas, também colocou em pauta a discussão sobre o racismo na universidade. Coloca em pauta a dívida histórica que a UNICAMP e a cidade de Campinas tem com o povo negro. Todo o processo de discussão tem sido vitorioso. Especialmente porque desmascara o racismo institucionalizado no Brasil e que se revela na transformação de direitos, como estudar em uma universidade pública, em um privilégio.
Durante este percurso, a discussão sobre as cotas na graduação foi realizada em institutos e faculdades historicamente conservadores: engenharias, economia, medicina, entre outros. Os 80% de brancos que ocupam os bancos da UNICAMP, e se beneficiam do racismo, tiveram que repensar seus privilégios durante este ano. Tendo sido um processo liderado por estudantes negros e negras, que representam cerca de 20% dos estudantes de graduação na UNICAMP e que têm sido perseguidos processos disciplinares notadamente motivado por racismo, a mobilização por cotas raciais na UNICAMP demonstra a força e importância de organizações criadas e impulsionadas e lideradas por negros e negras.
Além disso, este debate pressionou professores e outros estudantes a se posicionarem também na pós-graduação. No último ano, foram aprovadas cotas raciais nos programas de pós-graduação da Faculdade de Educação, na Faculdade de Economia, além dos programas de Pós-Graduação do Instituto de Ciências Humanas. Vai ter mais gente negra também na pós-graduação.
Se o processo de discussão sobre as cotas raciais já gerou tantos frutos, temos a dimensão do significado da aprovação das cotas raciais na graduação da UNICAMP para a ancestralidade e para os que ainda estão em luta.
Aprovar as cotas raciais na UNICAMP é admitir a dívida histórica que esta universidade, a cidade de Campinas e o estado de São Paulo têm com o povo negro e também indígena. Aprovar as cotas raciais na UNICAMP é pressionar para que a maior universidade do Brasil – a USP, também no estado de São Paulo – também tenha que se voltar para o debate de cotas.
Aprovar as cotas raciais na UNICAMP é ferir a essência do conservadorismo que governa a 20 anos com o governo do estado de São Paulo.
Aprovar as cotas raciais na UNICAMP é redimensionar o que realmente deve ser uma universidade: espaço diverso e capaz de produzir conhecimento a partir do universal e do diálogo.
Aprovar as cotas raciais na UNICAMP é uma vitória de Luiz Gama, Luiza Mahin, Luiza Bairros, Sueli Carneiro, Jurema Werneck e tantos outros que trilharam este caminho.
Aprovar as cotas na UNICAMP será uma vitória para todos os negros e negras do Brasil.
EXTRA
- Dias 29 e 30/05 haverão atividades sobre as cotas durante todo o dia na UNICAMP. Você pode ter mais informações no link abaixo:
https://www.facebook.com/events/505210786500559/?ref=br_rs
- Se você quiser participar da campanha virtual, publique seu apoio com as hashtags:
#EuApoioCotasnaunicamp
#CotasNaUnicamp
#CotasJá
#QueAUniversidadeSePinteDePovo
#VestibularIndígena
- Para colocar o filtro da foto de perfil:
https://twibbon.com/support/cotas-raciais-na-unicamp