por Larissa Santiago
Como o título sugere, esse texto não vai falar sobre o amor. Nem mesmo mencionar as exceções (ou regras) que esse sentimento conduz, reunindo pessoas de todos os tipos. Peço a compreensão de vocês para fazer uma leitura das relações de uma forma muito dura, talvez, mas real e que precisa ser discutida.
Introdução feita e desculpas anteriormente pedidas, vamos às questões: a primeira coisa que quero deixar claro é o conceito de raça. O termo raça não deve ser entendido como um conceito biológico que designa tipos humanos distintos física e mentalmente, visto que a ciência nega esse conceito (Cf. Guimarães, 1999). Raça (ou seu substituto, etnia) aqui está posto como um conjunto de elementos e características ambientais, sociais e culturais que designam diferenciação entre seres humanos. Lembrando sempre que essas características podem compor uma complexa identidade de grupos e que para alguns deles nós usamos classificações como negros (negritude), brancos (branquitude), amarelos.
Isso posto, vamos ao cerne da polêmica: há algum tempo atrás, discutíamos no grupo sobre o livro Virou Regra de Claudete Alves e falávamos sobre o fato que foi constatado na pesquisa da Mestra em Ciências Sociais – de que as mulheres negras se casam menos. Eis algumas das falas:
Primeiro, vou destacar o que Mabia (essa linda) falou quando fez o tópico:
“E o número de relações entre brancos é infinitamente maior do que entre homem branco e mulher negra (…) O problema aqui é dos discursos e das preferências (vamos lembrar que gostos são construídos socialmente?)” (grifo da autora).
Para saber se o que estávamos falando era de fato verdade, fui buscar no livro Histórias da Escravidão em Pernambuco, no artigo do Profº Gian Carlo de Melo Silva, Famílias de Cor, escravidão e Mestiçagem no limiar do oitocentos em Pernambuco. Em algumas partes do artigo fica bastante clara a estratégia das relações como escape, manutenção de status social ou formas de sobrevivência na sociedade escravista.
No artigo inteiro, o autor destaca e dá ênfase – sempre exemplificando – relações arranjadas, casamentos estratégicos ou ainda experiências sexuais superficiais, como ele cita:
Para Gilberto Freyre, o africano deixou marcas profundas na cultura brasileira (…) fora isso contribuiu na formação de laços de companhia, amizades verticais e horozntais , bem como na realização das experiências sexuais nos primeiros anos de descoberta do sexo de seus ioiôs e sinhás.
Mas o que eu quero dizer com isso: que na construção complexa da nossa sociedade, as relações inter raciais sempre tiveram interesses bem maiores do que o amor. E como somos uma sociedade nova, é inocente pensar que esses interesses não estejam presentes ainda hoje. Na nossa discussão no grupo falamos de relações estigmatizadas: onde a mulher negra é sempre “a exótica” ou o homem negro é “o avantajado” e daí partem os diferentes motivos para uma aproximação.
Levando em consideração que há um conceito de branquitude que é hegemônico e construído como melhor, a sociedade tende a buscar o que se enquadra no seu espectro de bom: aí entra a frase de Mabia:
“Não sei se é alívio ou melhorar de vida”. Ora, estamos em outra época, outros tempos, mas há ainda quem diga que uma mulher negra casar com um homem branco vai “limpar a família”.
Por fim – mas só por enquanto – quero destacar três razões das quais a Profª Claudete Alves trata no seu livro, que serão minhas razões para um próximo post sobre o mesmo assunto:
1- A historicidade das relações (que tentei tratar um pouquinho aqui).
2- A tentativa de negação da origem (essa eu não disse nada).
3- E o desejo construído (que eu passei raspando).
Pra mim, esse é o tripé que rege o discurso das relações inter raciais, tratando aqui delas logicamente, sem nenhuma menção ao amor. Ah, e deixando claro também que estamos apenas (mas somente por limitação teórica desta humilde autora) tratando de relações heteronormativas.
Deixo para reflexão de vocês mais dois trechos do Profº Gian Carlo:
Henry Koster relata o caso de uma encomenda que tinha como origem o sertão pernambucano. (…) Uma encomenda feita por um amigo e que deveria ser encomendada no litoral era de levar um bom português moço, de bom aspecto e hábitos regulares, com o propósito de casar com sua filha. (Pág 68)
(…) Ordem Régia do dia 27 de outubro de 1817 ao governador de Pernambuco para ordenação e controle da sociedade e principalmente dos escravos. Que o governador promova de maneira eficaz o casamento dos escravos. (…) Tal medida visa diminuir os males detectados em decorrência do estado de libertinagem em que viviam os escravos da capitania, algo que precisava ser controlado pelas autoridades. (Pág 76)
Esperando incitar discussões e provocar questionamentos, agradeço.
Larissa é baiana e escreve no Mundovão