Um canto para mulheres ou uma louvação às Yabas?

Ela vai te seduzir, lhe tirar para dançar, Elevar a dimensões; vai mobilizar fazer clarão. Tem vocação para misturar, força para transcender, almas para elevar; preta yayá devo tudo a você. O canto malembe, cuíca e ganzá também são de lá; me adule no colo, me pegue pra ti; música preta sou teu instrumento vim pra te servir.

[musica – PretaYayá de Theodoro Nagô para Xênia França ]

 

Neste último domingo 15 de outubro, a cantora Xênia França, baiana de Candeias radicada em São Paulo, reconhecida principalmente como uma importante presença na propagação da políticas de vidas negras e por seu trabalho junto à banda Aláfia, subiu ao palco do Auditório Ibirapuera para lançar seu primeiro álbum cujo título é seu próprio nome, XÊNIA e que foi lançado pelo selo Natura Musical.

Em palco Xênia evoca os sons da diáspora negra. Vai do Brasil a África, passando por outros destinos. Sobem nessa viagem afro diasporica os trânsitos de Cuba e Estados Unidos. Seu som une as matrizes rítmicas africanas como jazz, samba-reggae ao pop eletrônico. Resultado das suas influencias que vão do rei do pop Michal Jackson aos blocos afros da Bahia.

De Pra que me Chamas, música autoral e de abertura do seu CD da cantora, até Breu, as músicas tratam da presença dos corpos de negras e negros e suas existências. O cd conta com composições autorais da artista (Perfeita pra Você, Miragem e Pra que Me Chamas?) e de artistas amigos da cantora.

Xênia sublinha a metáfora de um corpo de preta, tantas vezes invisível, fetichizado, muitas vezes negado da humanidade numa sociedade racista e machista. Através de signos quase imperceptíveis dispara contra uma estrutura racista e genocida aos corpos de negros. Ao lado de outros dez artistas, Xênia transforma o palco do Auditório num templo ritual e convoca os corpos ali presentes para junto com ela realizar a travessia atlântica pela sua voz e pelos toques.

Em composição a cena sublinham-se três aspectos importantes: o poder da mulher preta, a dignidade dos corpos de negros e a complexidade humana. Suas armas estão todas apontadas prontas para serem disparadas. É artilharia das mais pesadas as letras, a voz, as referências à cultura negra, a estética.

Lança seu corpo de preta sob o palco iluminado. As cortinas se abrem e ela ali está, preparada, dona de si. Deslumbrante… Linda. Seu vestido me faz viajar por um céu azul muito estrelado. Suas joias lembram o ruído do correr das águas. Não há quem não a perceba Ela está ali.

Toma o palco. Sua voz e sua presença extrapolam os limites. Rompem o ar e embarcarmos com ela. Porém, engana-se quem ao vê-la ingenuamente destaca somente sua beleza. Ela não tem
medo de ser quem é […]muito bonita, dengosa e vaidosa. Como são, geralmente as belas mulheres […]1, Xênia estabelece outra maneira de anunciar os corpos de negras, impulsiona nossos imaginários até lembrarmos: e antes do racismo não éramos rainhas e reis?

Sua imagem é mais que moldura da sua voz doce e macia, é estratégia de existência, é poder! Ou, um golpe naqueles que fazem um esforço diário para invisibilizar nossos corpos de pretas. Somos convidados a experenciar os imaginários desse trânsito Atlântico. Unem-se passado e presente numa lógica futurista de poder feminino negro.

É preciso estar atento, olhar com atenção perceber as nuances de azul das águas de Odoyá, o balanço do rio na sua dança, no seu ritmo, as preces invocadas pela sua música de preta. Aquela que tem estrela no nome oferta a si mesma e fazendo isso nos oferece a oportunidade de  embrarmos que nossos passos vêm de longe e não estamos sós.

Naquele domingo 15 eu vi Xênia, eu vi Cláudia Ferreira e eu vi a mim mesma.

Que as águas te levem cada dia mais longe. Vivas às mulheres negras.

 

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1 Esta frase faz referência a um dos muitos itãs de Oxum.

Crédito da Imagem: Danilo Sorrino

 

Próximos shows
27/out  Sesc Pelourinho – Salvador – Bahia
29/out Sesc Consolação – São Paulo

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