“Você vai acabar solteira, sozinha, sem marido, igual a sua avó, sua tia e sua mãe”; “Você já viu que não é tão boa quanto pensa que é, né? Não passou no mestrado…”; “Arruma esse cabelo!” (arrumar = faça escova); “Não me interessa se a calça é de marca, você tá horrível, não quero sair com uma mulher assim.”; “Olha, ela agora se cuida, só anda assim” (com o cabelo alisado – me “exibindo” para a namorada de um amigo).
“Você não se arruma pra mim”; “Dança virada pra mim!”; “Vai, vai lá se enturmar com as mulheres, vai lá e mostra que você dança melhor que elas”; “Mulher minha não bebe sozinha em bar” (hahahahaha, eu tava com a minha vó dessa vez! Hahahahahaha); “Não, não deixo você ir no samba com a sua mãe”; “Me liga até às 23h de um número fixo pra eu saber que você chegou em casa” (numa das vezes que obtive autorização para ir num pagode com a minha família); “Você está sem roupa pra sair? É porque esse sapato não combina com a blusa!”.
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“Mas então, por quê?”
É a pergunta que mais ouço quando digo que fiquei boa parte da minha vida numa relação sem amor, sem respeito, sem tesão, sem porra nenhuma. Acho que nunca vou responder a essa pergunta de forma suficiente em menos de, não sei, no mínimo vinte sessões de terapia, na mais otimista das previsões. E não é o que vim fazer hoje. Não vim falar dos motivos pelos quais eu fiquei nessa relação, mas dos motivos apesar dos quais fique nela.
Ninguém saiu com o olho roxo, nariz sangrando ou tendo que fazer um B.O na delegacia (com exceção de um Ano Novo em que as agressões chegaram às vias de fato). Não rolou o B.O, apenas uma “gentil” conduzida pelos cabelos até a casa em que estávamos todos. No banho, enquanto eu passava a mão nos meus cabelos e eles saíam aos tufos, tive a sensação de que estava com câncer. Eu estava, mas ele era externo.
Até porque, vamos ao primeiro ensinamento do dia, violência não é só violência física. A violência psicológica, além da sexual, são tipos comuns de violência cometida contra mulheres – e, em sua maioria, o agressor é o próprio “””companheiro”””.
Convivi esse tempo todo (vou evitar quantificar esse tempo pra dificultar alguma identificação, apesar de eu não estar nem aí) com um homem machista e agressivo, no sentido lato das duas palavras. Nunca tomei nenhuma atitude, a não ser chorar e – no fim – criar coragem e força para sair daquela situação. Eu não entendia como um homem que dizia me amar tanto podia tantas vezes me destratar, ser grosseiro comigo na frente dos outros, da minha família, dos amigos dele.
Não demora muito, ou nada, para que coloquemos a culpa daquela violência em nós mesmas. Sempre emendamos o relato (quando temos coragem de contar) com um “ah, mas eu também fiz/falei…”. Não interessa. NÃO INTERESSA. A culpa nunca é da vítima.
E a coisa degringola de vez quando o seu “””companheiro””” sabe fazer tudo de forma que você acredite piamente que se trata apenas de “cuidado”. Sim, além de tudo, ele é manipulador (e, no meu caso, se orgulhava disso). O discurso dele passa a ser o seu e você nem percebe. Por isso eu tenho PÂNICO de pessoas que dizem ser/estar COMPLETAS com o parceiro. Cacete, eu nasci inteira! Não tenho metade, não sou laranja.
É claro que não eram 24h de agressão e violência. Ele entremeava esses momentos com aqueles dedicados a me fazer acreditar que tudo era por amor e carinho. Houve muitos momentos legais, claro; mas a verdade é que eu me sentia acuada, tensa, apreensiva o tempo inteiro. Pensava mil vezes antes de brincar, de fazer um comentário, uma pergunta; porque qualquer coisa poderia ser motivo de um stress sem tamanho. Eu já não brigava por nada; eu aceitava as agressões, não rebatia e evitava qualquer conflito, por mais que eu achasse que alguma coisa estava errada.
Não porque eu quisesse manter a harmonia do casal, mas porque eu tinha pra mim que a errada era eu, sempre eu, porque ele fazia de tudo pra me fazer feliz. E por que eu digo que isso era fruto de manipulação e não porque eu acreditava mesmo que ele me amava? A resposta não poderia ser mais clichê: porque o amor não machuca, não te diminui, não quer te ferir; o amor quer chegar junto com você num lugar lindo.
À última pessoa que me perguntou se ele me batia, eu disse que não. Mas aconteceu duas vezes. A do Ano Novo e outra que ele acreditou mesmo que eu ia me jogar da janela. Me encheu de tapa na perna e gritava que eu era louca (é… a louca era eu). Eu achava que estava merecendo, que merecia aquilo tudo. Mas depois o amorzinho “resolvia” tudo, né? Não resolve.
Alguém me perguntou se eu não tinha medo de ele – tendo acesso ao texto – me difamar, postar fotos minhas, sei lá, dizer que eu era louca e querer me desmentir, me desacreditar. Não. Seria apenas ele sendo ele mesmo. Aliás, não é isso que eles fazem quando, finalmente, nos “rebelamos”?
A gente não precisa de proteção, a gente não precisa de um príncipe, a gente não precisa de alguém que nos cerque por todos os lados, a gente não precisa casar, a gente não precisa ter filho, a gente pode ter cabelo curto, a gente pode beber com os amigos, com a família, com o diabo! A gente pode o que a gente quiser. Inclusive revidar.