Sou uma mulher negra, uma mulher negra e gorda. Ser bela para uma mulher negra é um lugar já de desconstrução de tudo que a sociedade nos diz. A beleza no Brasil é um conceito racializado. Para a sociedade, a Gisele Bündchen é linda, a Naomi Campbell é uma negra linda.
A menina preta da cor do azeviche jamais esquecerá o que a avó representou na sua formação de mulher. Quando ela aprendeu a gostar de seu cabelo pixaim descobriu que barreiras podem ser quebradas. A morte da avó é apenas uma distância temporária na vida eternizada das duas mulheres de pele preta.
Cristiane carregava na cara preta de 11, 12, 13 anos de idade todo o peso do racismo arraigado da nossa cultura. E ela, no seu início de adolescência, encarava de frente, de cabeça erguida e peitava mesmo, quem fosse! E gritava e xingava mesmo. Eu a vi chorar uma vez, foi bem pior. A gozação triplicou com as lágrimas da menina sentada no chão segurando os cabelos.
Poxa, as princesas que tinham finais felizes eram brancas, de olhos claros. E eu me lembro de querer ser como elas, associar elas ao bem, ao bom, ao puro. Eu não sabia que nunca poderia usar vestidinho rodado porque “me engorda” e eu tenho que disfarçar, ou que não poderia soltar meu cabelo ao vento, porque ele não balançaria, ninguém me avisou. Só me deram uma boneca e um desenho animado e disseram que aquelas moças magras e brancas iam ser felizes.
Por negra ideal se entende aquela que foi socialmente aceita porque é dotada de características fenotípicas em conformidade aos padrões eurocêntricos. É a preta alta, de lábio fino, nariz estreito, cabelo liso, rosto delgado e tom de pele claro (na maioria das vezes); uma negra considerada exótica em relação aos padrões vigentes. Essa sim, é a que tem espaço garantido nas páginas de beleza étnica da internet.
Eu, enquanto uma mulher negra, gorda e Black, certamente não me encaixo neste padrão. Em especial, meu cabelo é o ponto chave deste não-padrão que vivo diariamente
Não sei vocês, mas para mim, usar cores já foi difícil, houve um tempo em que usar um batom colorido era impossível, achava que as cores não combinavam com pele preta. O que pode parecer besteira, não é, essa minha insegurança (e acredito que seja de outras mulheres também) reflete o quanto nós, negras, infelizmente ainda sofremos com a falta de referências, essas que crescemos sem.
A simbologia que isso nos trás é a de que: negue, alise sua raiz, aquele seu fio crespo que está começando a nascer resistente a quem te impõe o liso, é muito feio. O esconda. Você não consegue perceber isso, pois a mesma lógica opressora te faz responder que isso não é racismo, não é preconceito consigo mesma e que você só alisa o cabelo, pois é mais prático ou por que combina mais com você.
Quero aproveitar esta oportunidade para falar sobre beleza, beleza negra, beleza escura. Eu recebi uma carta de uma menina e gostaria de compartilhar apenas uma pequena parte dela com vocês: “Cara Lupita,” onde se lê : “Eu acho que você realmente tem sorte por ser tão negra e ainda tão bem sucedida em Hollywood. Eu estava prestes a comprar um creme da “Whitenicious” para clarear minha pele quando você apareceu no mapa e me salvou.