Em 20 anos de vida eu nunca vi tantas mulheres assumirem seus cabelos afros como vejo agora, chegou o momento em que estamos dizendo não a chapinha, alisamentos, progressivas, relaxamentos, aos comerciais de TV, a anúncios publicitários e estamos dando espeço a grupos, páginas nas redes sociais e blogs direcionados ao cuidado e valorização desse tipo de cabelo. Esse movimento em prol ao cabelo natural vem ganhando espaço não só na internet, mas também em outras mídias. E isso é muito louvável pois, a mídia pouco interfere ao nosso favor, como afirmar para uma mulher negra que ela é bonita, se a revista ignora seu tom de pele? Como aceitar seu cabelo se no outdoor diz que para cabelo ruim a solução é o liso perfeito? Como exaltar a beleza afro se não nos vemos nos rótulos dos produtos de beleza?
Assumir o cabelo afro numa sociedade como a nossa em que as normas e padrões de beleza eurocêntricos já estão arraigados na nossa cultura e sustentados pelo tripé da ditadura do cabelo liso: alisamento, chapinha e progressiva, é um ato político. Essa ditadura é uma construção social que reproduzimos de forma natural, não queremos ser o que somos e nem parecer com o que parecemos, historicamente a estética negra é inferiorizada e ridicularizada: quadril, lábios e nariz grandes demais e o “cabelo ruim”. O termo “cabelo ruim” é empregado para se referir a cabelos crespos, pois cabelo “bom” é cabelo liso e na medida em que você carrega algo ruim no seu corpo como você pode ter auto estima?
Mas aí vem em tona outra ditadura: a do cacho perfeito!!!!! É isso mesmo, cacho perfeito! Como se já não bastasse toda a opressão da sociedade para o lisíssimo agora essa mesma sociedade arrumou outra forma de opressão. A maioria das mulheres que assumiram a pouco seus cabelos naturais, que passaram pela transição capilar já deve ter ouvido frases do tipo “mas ele não vai cachear, não?” “Ele vai ficar assim sem cachos definidos?” “Você precisa dar um jeito desse cabelo definir” “O que você vai fazer se ele ficar crespo e não cachear?” Eis que vos dou uma notícia agora: existem cabelos crespos e cacheados e eles são assim, como são.
O que eu percebo nesses poucos meses de cabelo natural é que cabelos com cachos definidos e controlados é melhor aceito na sociedade e que cabelo crespo e armado sem “cachinhos-perfeição” incomodam muito. É como se os cabelos com cachos definidos e controlados já fossem uma concessão da sociedade e os que não se enquadram nesse tipo de cabelo causam olhares atravessados e uma imensa vontade de dizer: “prende esse cabelo que está muito armado menina, dá um jeito nisso”. O que acontece é uma hierarquização do cabelo afro onde é imposto que um cabelo é “melhor” que outro seja pela sua textura, comprimento, volume ou definição dos cachos. Os cabelos crespos que por vezes são aconselhados a se manterem presos, escondidos ou lisos porque esse tipo de cabelo é feio, quando as mulheres crespas decidem como em um ato político assumirem sua identidade, se deparam com uma hierarquização cercada de preconceito. Mas o fato é que não existem cabelos melhores ou piores que os outros, cada um tem sua beleza em sua especificidade e peculiaridades.
No que diz respeito as relações étnicos raciais o cabelo é determinante, gostar do cabelo é sobretudo gostar do seu corpo. Admirar e enaltecer sua imagem, reforçar a beleza de sua cor, ter o sentimento de pertencimento a sua raça e acima de tudo se sentir linda é o que realmente importa.
Imagem destacada: Blog das Cabeludas.
6 comments
estou amando esse blog, moro em uma cidade de colonizacao ITALIANA entao ja viram…nossa nunca sofri tanto preconceito como nos ultimos dois anos que moro aqui, ate aqueles que acham que nao sao racista tentam “me consolar “(como se eu precisasse de consolo) dizendo ahh mas tu nao e negra tu eh miscigenada !!! oi como assim , sou negra sim e amo minha raca, minha cor, minhas origens, meu cabelo!!! dai uma “amiga“ me diz tu tens o rosto lindo como ficas bonita com o cabelo preso…kkkkk ri na cara dela neh….com o cabelo preso? nossa que dificuldade q esses brancos decendentes de europeus tem de aceitar que nos amamos nosso cabelo e simm ele eh crespo ele eh armado e eu acho ele lindo assim, e eu me acho linda assim com ele solto com volume, com cachos definidos, sem ele estar tao definidos assim…isso se chama aceitacao. mas fico feliz em saber e ver que isso tem mudado que nos negros temos nos aceitados mais, que nao precisamos mais tentarmos ser parecidos c os brancos para sermos aceitos na sociedade!!! DA lincensa com seu racismo que eu quero passer com minha cor!!!
Olá Ana muito interessante seu texto, estou conhecendo o blog e adorando.
Mas penso que existe uma linha tênue e delicada e até mesmo relativa sobre o assunto.
Então: fiz parte de alguns movimentos ao longo desses anos. Sempre usei meu cabelo afro. Um certo dia ao me manifestar em uma tribuna sobre assuntos relacionados a nós negros fui questionada e até com zombarías o porque uso agora o meu cabelo liso.
Engraçado: mulher branca então pode ir a salão fazer escova, chapinha etc; mas o porque que a mulher negra não pode?Estou em uma idade que pensei que podería fazer escolhas tranquilamente. Mas ainda alguns movimentos negros vem isso como mudar de lado ou etc. Conclusão: cabelo enrolado ou liso sempre vai haver discussões. Principalmente quando uma negra de cabelo liso pede a palavra kkk.
O interessante talvez fosse que alguns movimentos não levassem tanto a ferro e fogo a questão do cabelo, e sim do intelectuo. Exponho neste breve comentário um outro lado da questão.
Da mesma forma que falamos tanto em democracia neste país; sinto que as vezes ela é esquecida pela próprias palavras de ordem que tanto se propaga.
Parabéns e prazer em conhecer.
janicce.
Me sinto como a Janice, me assumo como negra, me vejo como negra, mais não sou aceita pelos meus porque aliso o cabelo. O meu motivo de alisar independe de não me aceitar, e sim de querer mudar um pouco, é um direito meu, pintar,cortar,alisar. Acho que a questão maior é qual o real motivo de se ter o cabelo afro ou liso. Se deixo meu cabelo cacheado por ser moda, ou por imposição de algum grupo dá no mesmo de mantê-lo liso.Pra mim não importa como o meu cabelo esteja,serei negra de qualquer jeito e esse é o meu orgulho, não será o meu cabelo que provará aquilo que sou.
Ana Carolina excelente texto, o que precisa estar em alta é o autoamor, definindo nossa autoestima e só, o resto é opressão. Compartilhado.
Quem decretou que todas as mulheres devem ter os cabelos lisos e escovados?
O preconceito? A moda? A indústria de cosméticos? Quem?
Eu, minhas amigas, decretei a minha liberdade, para deixá-los em seu formato natural.
Foram 25 anos de dependência química: a cada três meses, um relaxamento para “domar” as raízes. E nisso foram muitos anos de amônia e outros produtos que não se sabe, ou não se publica, quais seus efeitos em nosso organismo. Foram muitas experiências inusitadas também.
Há quatro anos dei um basta a esse processo e decidi não mais me submeter a essa ditadura. E estou muito satisfeita com os meus cachos.
Isso pode até parecer algo sem a mínima importância. Porém, em um país em que um percentual enorme de mulheres submete-se a processos de alisamentos químicos precisamos nos questionar sobre esse tema.
Tem ainda o aspecto mais importante dessa questão: a negação da nossa identidade. Porque negar ou manipular a nossa essência natural? Aquilo que herdamos da nossa ascendência africana?
Sou fã incondicional do blog. Parabéns as meninas que mantém atualizadíssimo essa ferramenta política de formação e educação nas relações étnico racial. Parabéns Ana pelo texto.