A intelectualidade negra e a invisibilidade nos espaços acadêmicos

Se juntarmos todos os professores de algumas das principais universidades do país (UFRGS, USP, UFRJ, Unicamp, UNB, UFCAR e UFMG) teremos um contingente de 18.400 acadêmicos, entre quais 18.333 são brancos e 70 negros, ou seja, são 99,6% de professores brancos, contra 0,4% de professores negros.

Conforme a recente pesquisa do IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, existem cerca de 97 milhões de pessoas autodeclaradas negras ou pardas no Brasil. Entretanto, ainda assusta a invisibilidade dessa camada importante da população no meio acadêmico. Atualmente o número de estudantes negros nas universidades não ultrapassam 11%, não obstante, a segregação do outro lado da sala de aula é ainda mais forte, já que apenas 1% de professores autodeclarados negros estão trabalhando nas instituições de ensino superior no Brasil.

Sempre estudei em escolas públicas e ainda recordo bem que eu não tive professores negros no período do ensino regular. Também rememoro da professora de geografia, na 7ª série, falando que devíamos se conformar com o ensino básico, que a universidade não era para nós. Alunos de periferia, em sua maioria negra não tinham, na visão desta professora, a chance de sonhar em ser alguém além do estereótipo do negro pagodeiro ou jogador de futebol. Os tempos mudaram e hoje o número de educadores negros em escolas públicas tem aumentado devido o advento das cotas.

Já nas universidades é quase impossível ver algum professor negro. Nos quase três anos que estudo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul nunca me deparei com nenhum docente negro. Reza a lenda que existem três. Entrei em contato com o Departamento de Ações Afirmativas da UFRGS que alegam falta desses dados, uma vez que os funcionários não são obrigados a se autodeclararem negros. A falta desses dados já é a resposta da ausência de educadores negros.

Se juntarmos todos os professores de algumas das principais universidades do país (UFRGS, USP, UFRJ, Unicamp, UNB, UFCAR e UFMG) teremos um contingente de 18.400 acadêmicos, entre quais 18.333 são brancos e 70 negros, ou seja, são 99,6% de professores brancos, contra 0,4% de professores negros. Para o antropólogo José Jorge de Carvalho a inexistência de um censo racial nacional da docência nas universidades públicas é um forte indício da resistência da classe acadêmica de enfrentar-se com sua condição racial privilegiada.

No Brasil criou-se, por mais de meio século, universidades federais e particulares em que não existem ou contém um número baixíssimo de professores negros, entretanto nenhuma lei impede a segregação racial nessas instituições. A visibilidade é importante, sim e a nomeação de Nilma Gomes como reitora na Unilab (Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira) representa um avanço na luta de políticas raciais no país. Porém ela é única reitora negra em um universo de mais de 1.000 reitores (particulares e federais). Como já citado no início do texto, somos 97 milhões, a segunda maior população negra do mundo, contudo nenhum negro chegou ao posto máximo nas principais universidades do Brasil.

Na década de 30, o branqueamento era sinônimo de progresso e modernidade, sendo assim, a política de eugenia interferiu decisivamente no processo de integração dos negros no sistema escolar. Este é período, também, da ascensão das universidades brasileiras. Portanto, quando se efetivou as primeiras turmas de universitários no Brasil, a comunidade negra acabava de ser expulsa dos cargos de professores nos colégios públicos.

A segregação no mundo acadêmico, portanto, não é um fato isolado e não é por acaso a inexistência de dados que comprovem o número oficial de professores e pesquisadores negros no Brasil. Não é um caso isolado da UFRGS, nem da USP ou UNB, é um fato comprovadamente histórico.

É válido ressaltar que se obtiveram, nesses 10 anos de cotas no Brasil, bons avanços, no entanto as cotas na graduação é apenas o primeiro passo para mudar a segregação acadêmica. São necessárias, urgentemente, políticas públicas para incluir o negro no doutorado e na docência, já que o racismo atinge todas as dimensões do ensino superior.

Bibliografia consultada
O confinamento racial do mundo acadêmico brasileiro Por José Jorge Carvalho

22 comments
  1. Olá Aline! Assim como o amigo Paulo Soares sou negro, geógrafo e professor da UFRGS, do Departamento Interdisciplinar do Campus Litoral Norte. Casualmente, no meu Departamento, tenho mais um outro colega professor que é negro, o André Baldraia. Isso, num universo de atualmente 30 professores. Faz o cálculo percentual do que nós dois representamos… Realmente tuas reflexões e apontamentos são importantes e retratam a quase que total invisibilidade do negro em espaços como o nosso. Na real, todas estas instituições (e a nossa não é diferente) são um reflexo de como a nossa sociedade trata dessas e de muitas outras questões. Abraços

  2. Aline, sou professor da Ufrgs, negro, do departamento de geografia. conheço outros professores negros nos departamentos de geologia, antropologia, história e contabilidade. mas concordo plenamente com teus argumentos sobre a invisibilidade do negro nestes ambientes. assim como na mídia, no judiciário, no legislativo e nos altos cargos do poder executivo e, especialmente, da iniciativa privada.

  3. Minha pergunta só para saber! Os pardos, morenos claros e escuros ficaram onde nesta pesquisa? Porque a divisão foi feita branco e preto! No Brasil tem muito mais de cores indefinidas que os brancos ou pretos! Achei estranho só isso! Não tem nenhum professor Moreno claro ou escuro??? Porque onde estudei só tinha alguns realmente brancos e poucos negros, mas os de cores indefinidas e misturadas eram quase todos…

    1. Estevão, acredito que a autora possa te responder melhor, mas digo uma coisa: morenos claros e escuros são criação da sociedade racista que impulsiona pessoas negras a procurarem outras identidades que não a negra para representarem-se. quando se fala em moreno, estamos falando da coloração capilar, não sobre tom de pele. negros e negras de pele mais clara ainda assim são negros e negras, não morenos ou morenas.

    2. Estevão, exatamente como a Nênis respondeu. Os “pardos e/ou morenos” (como tu denomina) na real são negros.

  4. Olá, Aline. Gostei muito do seu texto. Achei muito realista, mas gostaria de saber qual a sua base de dados. Você recolheu tais informações de algum senso ou são informações que você mesma colheu? Caso você as tenha colhido, você as obteve de onde?

    Desde já agradeço.

    1. Oi, Marcela. Obrigada!
      Então, utilizei o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e o antropólogo José Jorge de Carvalho.
      Abraços.

  5. Esse é um dos motivos dos processos de sabotagem da educação lançados principalmente pelos governos do PSDB, o objetivo é evitar a ascensão dos afro-brasileiros ao ensino superior e mostrar que muitos “eurodescendentes” não se interessam em estudar.

    Por isso que por traz dos discursos de redução da maioridade penal há a intenção de prender arbitrariamente muitos menores, independente de cometerem ou não crimes e impedir que eles estudem, pratiquem esportes, participem das atividades artísticas e culturais. Todos os mecanismos de perversidade são acionados com essa finalidade: não formar intelectuais afro-brasileiros.

    O comportamento racista já demonstra que grande parte dos eurodescendentes são incompetentes e precisam de um motivo para não ter que competir com os afro-descendentes.

    1. Esses números não saíram da minha cabeça, são estatísticas. E como pode ser exagero se tu teve APENAS dois professores negros?!! Não tente silenciar ou minimizar nossa luta Roberto.

      Seguimos para mudar esse quadro 😉

  6. Aline seu texto é muito importante e o dado que vou passar aqui não minimiza o quadro, mas nao deve prestar informações imprecisas. Sou professora da Universidade do Estado da Bahia – UNEB e tivemos com muito orgulho e por dois mandatos uma reitora negra, a Ivete Sacramento. Mas… as exeções confirmam a regra, infelizmente!

  7. Exatamente neste sentido.
    A política de ações afirmativas precisa atingir a pós graduação e concursos para professores e quadros técnicos.
    É fundamental discutir os currículos acadêmicos, descoloniza-los, fomentar a construção e desenvolvimento do pensamento intelectual genuinamente brasileiro. Obras de pensadores como Milton Santos, Edvaldo Brito, Sueli Carneiro e muitos(as) outros(as) estão aí nos convidando a isso.
    Valeu Aline!

  8. Sou doutor negro e estou concorrendo a uma vaga em uma universidade federal e meu concorrente branco se auto declara negro…vamos ver o que vai dar…

  9. Tenho a honra de ter sido orientado no doutorado na USP e guardar a imensa saudade da amizade de um dos maiores geógrafos do mundo, o baiano MILTON SANTOS. Ele recebeu o título de professor honoris causa de minha universidade (UECE), dentre outras mais de dez de vários países. Ele disse numa entrevista: era difícil no Brasil ser professor independente e, mais ainda, ser negro.

  10. Aline Silveira, achei seu texto bacana e ele levantou uma pauta extremamente cara a nós. Mas uma ressalva: temos de repensar quais são essas “principais universidades” a que você cita, afinal de contas, esse grupo seleto a que você citou não faz menção à Universidade do Estado da Bahia, uma das maiores do nordeste brasileiro, na gestão da professora Dra. Ivete Sacramento (mulher negra), implementou, pioneiramente, o sistema de cotas raciais. Temos de abrir esse leque, para potencializar outras perpectivas e desbancar certas elites.

    1. Vitor Marques, obrigada pela informação. Eu cito no texto “algumas principais” e não as principais. Vou pesquisar sobre a Dra. Ivete Sacramento e numa outra oportunidade citarei ela. Obrigada 🙂

    1. Osiris, qual a sua universidade? 35 professores negros…quero ir para aí também. (os números não são irreais, infelizmente!)
      Abraços

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